Ainda a poucas horas de chegar à Portela, sob o efeito indescritível e delirante de I'll Be Your Mirror London curated by Portishead & ATP (em breve: notas e imagens deste evento de luxo), é tempo de mudar de cidade continuando com as expectativas em alta. Hoje ninguém quer estar em Londres!
Michael Gira veio a Lisboa com os Swans no seu melhor. Chamou Cristo, gritou-lhe e ordenou-lhe que viesse cá abaixo!
Já!
Ele veio, sentou-se na plateia e converteu-se!
Quem esteve na aula magna no passado dia 09/04/2011 testemunhou um dos melhores concertos de sempre e ad eternum... Inquestionável! Depois de sábado surgiu uma nova referência temporal: AS /DS (Antes de Swans/Depois de Swans).
Sábado na Bica. Duas mensagens e já está: eis o Mark Steiner a subir a rua a passo largo, sorriso igualmente abundante, amigos portugueses a tiracolo, casaco e calças pretas, cabelo desalinhado com as cores de terras frias. Um Viking com sotaque nova iorquino numa das ruas mais empinadas de Lisboa? Naaaa not a viking or another PopStar, mas um amigo em (de) Portugal. Já dizia o outro, Vinni Reilly (Durutti Column, Friends in Portugal), que Portugal era sítio bom para fazer amigos.
Mark Steiner uma das figuras mais bem conhecidas no meio musical underground da capital Norueguesa, chegou uma semana antes do concerto agendado para o Bad Trip Fest de Coimbra. Nascido na terra do tio Sam, acolheu a capital norueguesa como sua casa, de tal forma que é difícil não o confundir com a mítica imagem de um Senhor dos Fiordes. Um verdadeiro norueguês. Mas não é. Mark é um nova iorquino a vaguear pelas cidades da Europa. É um rocker que faz amigos pelo mundo, deambulando pelos cantos sombrios de pubs à hora de fecho, seja em Nova York, Paris, Berlim, Melbourne ou Oslo.
No passado fim-de-semana Mark foi de Lisboa. E por cá, fez mais amigos.
Lisboa acolheu Mark Steiner sem lhe dar espaço para um merecido concerto. É este o fado dos poetas malditos na cidade de Pessoa. A Lisboa "moderna", que se deixa encantar pela rapaziada dos loups e outros gangs igualmente minimais de interesse esquece, por vezes, a música das ruelas, a que que tem calor, vida e letra dentro.
As cidades nuas não se podem dar ao luxo de não fazer soar música arrancada às cordas da guitarra, escondida numa voz encorpada, vinda das veias do rock. Lisboa nunca poderá ser uma cidade de música enlatada! Aqui a poesia e o rock bebem-se engarrafados e a rolha não é descartável.
Seguiu-se um domingo vagabundo, uma tarde de gargalhadas coroada por um jantar de amigos, o sacrifício do bacalhau, o ritual do vinho tinto, concertos de sofá e janela aberta. Por lá passaram outros amigos comuns - de Bowie a Petra a Magoni - coroando com devida vénia, a música de Paredes e todos os outros que emprestaram a voz ou empenharam a vida a cantar desassossegos.
Mark está por terras do Mondego. Amanhã mostrará o projecto com o qual se tem apresentado ao vivo por toda a Europa, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia: Mark Steiner & His Problems.
Pena que Lisboa ainda não tenha tido a ousadia de se apresentar aos problemas de Mark Steiner. Mas não tardará pois quando a cidade respira, a poesia acontece e o rock põe-se a jeito para sair à rua. Ficamos então à espera que uma das "cidades" transformadas em Bar no Cais de Sodré se convide.
«C'mon» está aí e marca o tão esperado regresso dos Low.
Entretanto recupera-se Sunflower, extraído do album de 2001 "Things We Lost in the Fire" para marcar o fim do interregno nas publicações deste blog! O fim... de quase um mês em modo Low (profile).
Pedimos Sawns e surgiu o 9 de Abril. Pedimos Grinderman e zás: Julho. Pedimos PJ Harvey, Lisboa vai tremer em Maio. E agora Fleet Foxes a 8 de Julho! E ainda temos coisas boas no Meco. Já vou mordendo os dedos das mãos para começar a conhecer o cartaz do FMM Sines. Julho vai ser "o" mês quente. E pedir a visita dos "curadores" e amigos de todos os All Tomorrows Parties, hein?
Da Casa dos Mortos de Leos Janácek * 7 Jan 2011, 21h00 Grande Auditório FCG
Nurse With Wound & Blind Cave Salamander** 8 de Janeiro 22h00 Teatro Maria Matos
YASMIN LEVY * 29 Jan 2011, 21h00 Grande Auditório FCG
AL-KINDI ENSEMBLE; JULIEN JÂLAL EDDINE WEISS * Stabat Mater Dolorosa 29 Jan 2011, 21h00 Grande Auditório FCG
Japanther - Shellshag 20 de Janeiro, 22h ZDB
CORO RICERCARE- Crepúsculo 23 de Janeiro -CCB PEDRO TEIXEIRA direcção
OM - Gabriel Ferrandini 30 de Janeiro às 22h ZDB
Swans 6 Abril Aula Magna
PJ Harvey 25 de Maio Aula Magna
*Obrigada aos amigos do CG pelas borlas. ** Obrigada ao RPP pela gentileza (vulgo borlas) nos espectáculos do TMM que aliás conta com uma programação de luxo para 2011.
1- Ali Farka & Toumani Diabaté - Ali & Toumani 2- Ariel Pink's Haunted Graffiti - Before Today 3- Menomena- Mines 4- Robert Wyatt- For the Ghosts Within 5- Nico Muhly -I Drink the Air Before Me 6- Swans-My Father Will Guide Me Up A Rope To The Sky 7- Deerhunter - Halcyon Digest 8- Lower Dens- Twin-Hand Movement 9- LCD Soundsystem - This Is Happening 10- The Black Keys- Brothers 11- Beach House- Teen Dream 12- The Fall- Your Future our Clutter 13- Joanna Newson - Have One On Me 14- Caribou – Swim 15- Gala Drop - Overcoat Heat 16- Efterklang- White Magic 17- Owen Pallet – Heartland 18- !!! - Strange Weather, Isn't It? 19- White Denim – Last Day of Summer 20- Balmorhea- Constellations 21- Grinderman-Grinderman 2 22- Sufjan Stevens -The Age Of Adz 23- James Blake – CMYK 24- Arcade Fire – The Suburbs 25- Vampire Weekend- Contra 26- Tame Impala – Innerspeaker 27- Neil Young - Le Noise 28- Bonnie "Prince" Billy & The Cairo Gang - The Wonder Show of the World 29- Harlem – Hippies 30- Brian Eno - Small Craft On A Milk Sea
Esta lista traz brinde o ReMistake#4,Podcast que lhe dá corpo! Podcast do ano! (Uma parceria Persona/Bitsounds) A parceria do ano! Para Ouvir/Guardar [MP3ZIP ] (alternative 'b'ersion)
Playlist: 00:00 A Single Man (movie Scene) 02:05 Ariel Pink's Haunted Graffiti - Menopause Man 05:45 Owen Pallett - Red Sun No. 5 09:15 Lower Dens - Rosie 11:50 The Black Keys - These Days 16:50 Swans - Reeling The Liars In 19:00 Deerhunter - Helicopter 23:35 Caribou - Odessa (Nite Jewel Remix) 28:20 LCD Soundsystem - All I Want 34:35 Tame Impala - Solitude Is Bliss 38:20 The Fall - Weather Report 2 44:50 Robert Wyatt - The Ghosts Within 52:15 Ali Farka Toure & Toumani Diabate - Ruby 58:02 Eurico Carrapatoso - A morte de Luís II da Baviera (homenagem a Fernando Pessoa; excerto do concerto do Coro Ricercare)
Depois do Anouar Brahem Quartet e de Jordi Savall a Fundação Calouste Gulbenkian avança com execelentes propostas para 2011, ainda no âmbito do programa "Músicas do Mundo". O Programa estende-se até Abril de 2011 e conta com os seguintes (imperdíveis) concertos:
Sábado 29 Jan 2011, 21:00 - Grande Auditório Yasmin Levy (voz)/ Israel Yasmin Levy que já nos visitou este ano no Festival Músicas do Mundo em Sines, regressa a Portugal para recupera antigas tradições da Península Ibérica. Canta em ladino, a língua dos judeus sefarditas. Com a sua voz profunda e espiritual, Yasmin Levy entrelaça as melodias tradicionais, a paixão pelo flamenco e as influências do Oriente e dos Balcãs.
Segunda, 31 Jan 2011, 21:00 - Grande Auditório Al-Kindi Ensemble, Julien Jâlal Eddine Weiss (kanun, direcção)/ Síria Al-Kindi explora as tradições musicais eruditas do Próximo e do Médio Oriente. O núcleo instrumental do ensemble é constituído por cinco elementos aos quais se juntam outros músicos para os diferentes projectos. O presente programa é o mais ambicioso até à data, reunindo cerca de vinte figuras, incluindo um coro bizantino, derviches sírios e o cantor soufi Sheikh Habboush, em torno da adoração da Virgem Maria por muçulmanos e cristãos.
Domingo, 13 Mar 2011, 19:00 - Grande Auditório Melingo (voz)/ Argentina Melingo é a personificação do tango. Não o tango sedoso das salas de dança, mas o tango das ruas sujas de Buenos Aires. O drama, a paixão, o ritmo, a loucura. Tom Waits do tango, a actuação teatral de Melingo arrebata a audiência não só através do virtuosismo e da musicalidade, mas também em função do riso, das lágrimas e da alegria. «Melingo mistura a tradição de Gardel com a fúria do underground.» (Telerama)
Segunda, 28 de Março de 2011 Souad Massi (voz e guitarra) Jean-François Kellner (guitarras), David Fall (tambores), Rabah Khalfa (derbuka e outras percussões), Stéphane Castry (baixo) Argélia
Domingo, 10 Abr 2011, 19:00 - Grande Auditório Ballaké Sissoko & Vincent Segal: Ballaké Sissoko (corá), Vincent Segal (violoncelo) Músicas do Mundo: Mali / França O mestre da corá do Mali toca com o violoncelista francês Vincent Ségal, conhecido pelo seu trabalho com o grupo Bumcello. Chamber Music é um projecto em torno da arte da conversação. Sissoko descreve a integração de duas culturas musicais: «Construímos a nossa cumplicidade passo a passo. Hoje, quando tocamos, compreendemo-nos sem dizer uma só palavra: um olhar é suficiente. Os nossos corações estão unidos.»
Lower Dens é um nome para reter, um projecto que certamente integrará as nossas listas de notáveis de 2010. Chegam de Baltimore para apresentar o seu trabalho de estreia, Twin-Hand Movement, um trabalho sério e altamente viciante, pejado de sonoridades rock-indie carregadas de boas referências musicais, hipnóticas, doces e melancólicas. A Voz de Jana Hunter cai que nem uma luva nesta trama sonora. Um projecto que promete, um disco que tem rodado milhões cá por estes lados e um concerto hoje na ZDB às 22h. Eis uma amostra do que pode acontecer logo à noite na Rua da Barroca: Setlist:
"Two Cocks Waving Wildly At Each Other Across A Vast Open Space, A Dark Icy Tundra" "I Get Nervous" "Rosie" "What Isn't Nature"
Os Swans não estão mortos nem velhos, estão de volta! No passado domingo visitaram a cidade de Baudelaire -o maldito- para quebrar o gelo da longa ausência. Os inrockuptibles Swans foram recebidos num cenário burlesco. Paris congelou por estes dias. Um frio de rachar gauleses e neve, muita neve a contrastar com as sombras da cidade. Tal como aqui citado Julien Green refere que a cidade tem outra alma quando os vagabundos saem à rua para povoar bairros que vão para além do mítico Spleen. Paris é vagabunda e silenciosa, boémia e vadia. É sedutora e inebriante. Há cidades assim, perigosas! Paris tem a flânerie e o encanto que faz recordar a outra Lisboa, a outra Praga, a outra Istambul. As cidades e os seus rios... propensas aos (en)cantos de Lautreámont: desconfia delas se te parecerem demasiado belas!
Ao fim da tarde de um Domingo branco, a multidão aglomerava-se à porta do 60émeRue de La Bellefuille. Saltitante, batendo as luvas em ritmos sincopados para enganar o frio, a fauna era uma estranha mistura de gente, maioritariamente gente que já tem uns anos disto. O rapaz da t-shirt preta, o trintão com óculos de massa tamanho XL, punks e góticos (ainda), gajos barbudos versão farmville, fãs de cabelo escuro, petites filles do irritante lookteendream importado de Brooklyn, casacos de cabedal e bicicletas do outro lado da estrada. Pela fauna podia-se concluir que havia ali muito boa gente que sabia ao que ia, outros tantos nem faziam ideia do que os esperava do outro lado da barricada. Os Swans entraram a matar, com o estrondo sonoro de "No Words/No Thoughs” sem dó ou piedade. Chegaram, partiram a loiça e nem deram tempo para as típicas exclamações lá do burgo: “ahué, arhrrhrhr... sont les Swans!" Ainda na primeira meia hora, já com os sentidos em desconstrução, sentimo-nos esmagados pelas guitarras, baixo e bateria. Bem perto do Bois de Boulogne os cisnes transformaram-se em patos bravos, aos primeiros acordes já tínhamos perdido o norte. Um concerto que poderia ter sido inventado na alvorada da revolução francesa entre sangue e suor, triunfo e guilhotina. O primeiro tema acabou com uma distorção avassaladora e quem lá ficou já adivinhava o que se seguia: um tareão em modo colosso sonoro.
É incrível a postura de Michael Gira em concerto. Ergue-se no palco como um pregador de massas mas o curioso é que este missionário não usa a palavra. É líder, incapaz de gerar empatia, mas profícuo na devoção cega que naturalmente cria no público. Raios partam a voz do anjo negro! Gira alinhava-se em frente ao palco como sacerdote possuído pelo demo, o ar taciturno de sempre, um suor vibrante, como se quisesse resgatar a Bastilha e arrancar os olhos ao Sarkosy. De costas voltadas para o público incentivava o resto dos mosqueteiros a lançarem a corda e foi em Eden Prison que fomos guiados a toque das cordas e suas reverberações. Liberdade, igualdade e fraternidade o tanas, os Swans dão-nos a música que querem e quem não está preparado para esta frente sonora, mais vale abandonar a sala, emigrar para a Sibéria ou então acaba decapitado. Contas feitas, valeu cada pena do cisne! Contudo a actuação ficou aquém das expectativas. Atendendo ao vasto repertório e ao tempo de ausência da banda, a duração do concerto foi um insulto! Faltou muito mais num concerto que não foi além do último trabalho e de dois temas de Children of God. Espero que o alinhamento e a duração do concerto na Aula Magna seja mais alargado, senão e como bons tugas só nos resta fazer um escândalo. O Gira que se cuide que a malta por cá tem um assobio bem mais acutilante!
A todos os que na passada semana nos disseram "Adeus".
Symphony Of Sorrowful Songs, Henryk Górecki. Do filme "HOLOCAUST - A Music Memorial Film from Auschwitz". Soprano: Isabel Bayrakdaraian, Sinfonietta Cracovia, direcção John Axelrod.
“Estou estúpido da cabeça”, exclamava o contrabaixista enquanto constatava a sala cheia do S. Jorge. "Nunca pensámos encher esta sala"- afirmava Pedro Gonçalves um dos mentores de um dos melhores projectos musicais da cena tuga. Os Dead Combo subiram ao palco com uma Royal Orquestra para assombrarem tudo e todos num concerto estrondoso, uma das maiores catarses que a velha sala da Av. da Liberdade já testemunhou. Salvas para a Orquestra Royal: Ana Araújo ao Piano; Alexandre Frazão na Bateria; João Marques - Trompete e Flughelhorn; João Cabrita – Saxofone e Jorge Ribeiro no Trombone, compõem o ramalhete de luxo. Entre padrões musicais lusitanos, westernianos (seja lá o que isso for) influências de latinas paragens, os playboys lusos fizeram do estrado do S. Jorge um laboratório de sons, uma espécie de Atlas musical, algures entre o Trópico de Câncer e a linha do Equador ou se preferirem, entre a Praça da Alegria e o Cais do Sodré.
Foi um concerto estrondoso, entre sopas de cavalo cansado, e assobios ébrios aos candeeiros toscos da Lisboa antiga. Cantou-se Amália na guitarra de Tó Trips, Paredes também por lá andou e não faltou a devida homenagem ao mestre Tom Waits e à Bica do Carlos. A viagem foi feita num carrossel de uma feira popular que a cidade já não tem, correu-se atrás dos putos que andam a roubar maçãs e até se dedicou um tema aos gajos dos andaimes.
Vénia, vénia meus senhores que nos deram música da boa e da melhor, a fazer inveja a muitos gringos e outros putos de pratos toscos e loops enjoativos. Música encorpada, com ligeiro travo frutado, que nos deixa a garganta seca e o corpo possuído pelos arrombos de uma massa sonora densa, sólida, enorme! Música sem corantes nem conservantes, interpretada pela fina-flor, à flor da pele deixando-nos orgulhosos e com vontade de gritar: isto é nosso caramba!
Como se proclamou em palco: “um gajo tem de fazer aquilo que gosta e aquilo em que acredita”.
Definitivamente estes "gajos" fazem aquilo que gostam. Nós, "os que vão ao Cais do Sodré” , também gostamos e também ficámos "estúpidos da cabeça!"
Ergue-se entre vales e nuvens a cidade perdida do sol, com raízes na terra, o ventre aberto e o nome indígena de Pacchamama. Há sacrifícios que se enterram neste ventre, entre o pó dos sonhos e o rasto dos rebanhos. Há ouro e prata, há vozes cantadas que soletram lendas. Há pássaros que cantam a chama do sol e predadores cavando desfiladeiros. Cactos cinza, pó e pedras com forma de nuvem. Há gente que oferece ao vulcão três folhas de coca num ritual indígena, escondidas sobre pedras amontoadas no caminho. Há lamas, alpacas e signos de sol no rasto das veredas incas. Há sorrisos onde a liberdade voa segura, soprada como o vento que enaltece o voo do condor. Perfumes de flores nas asas de um colibri, há nuvens brancas empinadas em glaciares andinos e poetas que escrevem versos quando o sol se estende formando a cabeleira dos andes. Há cordilheiras e terras de fogo, mãos secas num tear de alpaca e enigmas gigantes em linhas desertas com desenhos de estrelas. Em Nasca há pássaros secos num deserto inquieto e as múmias tristes ainda aguardam o sol nascente. Em Ica há desertos como mares de ócio e silêncios longos, num entardecer tardio. Chagamos a Pisco, terra seca com nome de uva destilada, um vazio fresco que acalma os passos lentos do viajante. Continuamos a subir para as terras altas onde o sangue se torna espesso num respirar pesado. Já aí se adivinham as folhas mascadas entre intervalos de chá e histórias de índios, flautas distantes, saudades do calor. E navegamos para o cimo onde se esconderam os olhos do sol. Terra de terra com ventre e vento, maravilhosa vertigem do espaço aberto. Há cidades perdidas e tesouros que tombaram em clareiras de sangue. Há mulheres que choram filhos e anos derramados. Há crianças de muco verde com olhos de azeitona preta, numa pobreza que resplende de fartura e afecto. Ao longe, a cidade é o refúgio entre a selva e a chuva húmida. Anunciam-se os dias do fim, antecipa-se o dia de regresso e o cansaço de aqui não ser livre. Há jardins de orquídeas e colibris de fogo e um íman que nos atrai para o interior da montanha. Os olhos fecham-se na vontade de não querer voltar… olhos aprisionados nos raios de sol que se acendem num pano fundo de veludo azul. As cidades amadurecem as vertentes do crepúsculo, guardam as pedras que me conhecem os passos, lados e ângulos nos segredos pisados por Pizarro, há gente abandonada nas praças e dos impérios. Há tudo isto e lugar nenhum. Chegou o tempo de voltar com a tristeza de saber que estive tão perto e agora tão longe do coração do mundo. Lá ao longe o Tejo. No fundo do seu fio azul, as portas do sol anunciam o ouro vivo de uma terra distante. Felizmente ainda há sol, e agora que conheço a sua cidade, é só fazer-me à estrada...
Playlist 00:00 Roots, The - A Peace Of Light 01:45 TV on the Radio - Staring at the Sun 05:10 White Hinterland - Icarus 08:25 Yeasayer - Sunrise 12:15 Magic Fingers - Sunrise 14:50 Pulp - Sunrise 20:20 Swell - Sunshine 24:10 Ruby Suns - Morning Sun 28:05 Delorean - Seasun 32:05 Blackbird Blackbird - Hawaii 35:15 Lord Huron - Into The Sun
O autor de "Rock Bottom", "Dondestan", "Shleep" ou "Comicopera" um dos dicos do ano de 2007, regressa com um excelente título "For The Ghosts Within'" e outra proposta não menos interessante: a possibilidade de alternativas felizes num mundo em crise.
"A crise é um ponto de vista. (...)Não significa que não exista uma crise, mas a maior parte das vezes os governos adoptam essa expressão apenas como forma de subtrair dinheiro aos cidadãos do costume. Tinha esperança que o mundo pós-colonial se pudesse transformar num local mais decente, mas o império militar foi apenas substituído pelo império financeiro desregrado. O sentimento de medo impera. Já tivemos o medo do comunismo ou o medo do terrorismo. Agora temos outro medo. O medo da perda do emprego e daquilo que achamos que o capitalismo ainda garante aos cidadãos - e que é cada vez menos. Mas a vida não é só isso. A música, a arte, a cor do céu, o afecto entre as pessoas estão aí para o provar. A crise não é económica. É o nosso estilo de vida que está em causa. Com todos os seus problemas, o mundo continua a ser um lugar óptimo."
Robert Wyatt em entrevista ao Ípsilon, vale a pena ler aqui.
Quando o sol se vai, as férias acabam, nada como grandes nomes para inaugurar a rentrée, ou seja lá o que for para ajudar o regresso à "Eurolândia". Este é certamente um dos momentos a não perder, sentar no Teatro Maria Matos e continuar a Viajar, para longe, longe...
Lembro-me do Caro Diário do Morettisempre que vagueio pelas ruas da cidade em Agosto. Lisboa torna-se particularmente serena e bela em Agosto. A parte menos boa desta história é que o Verão 2010 veio com a saga "Kubrickniana", atendendo ao volume louco de trabalho dos últimos meses, mas isso são outras …
Prefiro falar-vos desta cidade que me acolhe. Agosto veio trazer-lhe gente nova que olha os prédios devolutos (os inadmissívelmente muitos prédios devolutos da cidade) como se fossem relíquias da Istambul de O. Pamuk. Isso dá nervos, é triste e lamentável. O marketing turístico de Lisboa é absolutamente merdoso, comparado com cidades como Berlim, Istambul ou mesmo a rival Madrid. A partir das 19h o Rossio e as ruas da Baixa transformam-se em corredores do metropolitano versão: "Estação da Rotunda, 1987, 0h30m de um domingo qualquer!"
Não há uma esplanada aberta, não há um lugarejo para sentar e desfrutar das quentes noites de Lisboa, tudo às moscas! A Praça da Figueira é um exemplo característico desta sonolência urbana: imaginem aquela Praça na Galiza, Andaluzia, na Sardenha, em Granada/Nicarágua, na Invicta ou mesmo no Granho do Ribatejo! Certamente o cheiro a caril seria aproveitado para vender mais imperial haveria, pelo menos, muitas esplanadas na rua, muita gente bonita, mais euros a girar, sem ser apenas para compra dos tradicionais cubos de tempero para canja de galinha.
Nota negativa também para a Cinemateca Portuguesa. Sinopse: "Hora de almoço em Lisboa. Turistas a passear de guia na mão à procura de uma alternativa decente aos cinemas das grandes superfícies. Frequentadores habituais da Cinemateca dão com o nariz na porta! As Frases: “A cinemateca encerra durante o mês de Agosto”, “Closed”! Será que a casa do cinema está embevecida pela Lei Seca?
Mas falemos agora de notas positivas. E as notas positivas do mês vão para os eventos que Lisboa tem vindo a oferecer. Falo-vos particularmente das borlas, coisa tipicamente apreciada por qualquer tuga que se preze.
Parabéns mais uma vez à organização do CCB Fora de Si que apesar do PEC ainda nos dá alternativas. É o caso do grande concerto de Concha Buika, a senhora que soube elevar a voz em homenagem a Chavela Vargas e transformar Belém num dos lugares mais belos do planeta naquela noite! Para além das propostas de cinema, dança, jazz, é Fora de Si que o CCB nos aparesentará Melech Mechaya já este Domingo e a festa continuará durante Agosto, com Jaques Morelenbaum e o seu Cello Samba Trio.
Destaque também para a Filho Único que tem vindo a promover eventos magníficos no Museu do Chiado. Hoje, mais uma vez, lá estaremos para "viajar" ao som do mestre Kimi Djabaté.
Há ainda a Fundação Calouste Gulbenkian, (sempre). Pena que Festival Próximo Futuro aparente não vir a ter tanto…
Salvou-se o Jazz em Agosto com o grande concerto de John Surman (vénia) & Jack DeJohnette ou ainda Circulasione Totale Orchestra entre outros.
O regresso está marcado para finais de Setembro. Depois das férias que me levarão por terras andinas e amazónia bolíviana vai haver pouca vontade de voltar à selva. Talvez o concerto de Jóhann Jóhannsson me ajude no regresso à Eurolândia ou me inspire para voltar a viajar... quiçá por muito mais tempo. Jóhannsson é a melhor proposta musical para vagabundos e outros viajantes ...
Voltando aos concertos e à música After Silly Season, palmas para a programação do Teatro Maria Matos, com Faust a 6 de Outubro e Hauschka 22 de Outubro. Há ainda a reentrée do CCB com destaque para os concertos do Coral Lisboa Cantat e do Coro Ricercare (ora toma!). Por falar nisso, não perder a estreia a absoluta do Filme do Desassossego de João Botelho, onde há Fernando Pessoa, e música cantada em "modo Ricercare" com saudades das gravações em Sintra! Para acabar de vez com os saudosismos das férias e até porque em Novembro já se planeará outra fuga, há !!! (Chk Chk Chk) a 9 de Novembro no Lux. Há ainda a sempre tão boa programação da Culturgest com Carlos Zíngaro /Miguel Mira/Paulo Curado e Zul Zelub & Eddie Prévost. Também há Interpol e Arcade Fire ou L. Cohen que só vou se alguém me arranjar um bilhetinho. Ponto.
E há sempre aqueles fins de tarde na esplanada do Noobai ... e que cores tem esta cidade ao fim da tarde!!!
Hoje Siamo Arrivati! Falta quase uma semana para o início das férias. Para celebrar a quase-quase data há Kimi Djabatépara os saudosistas daquele fim de tarde em Sines...
"Grinderman 2" sai em Setembro! Esta pérola - um dos registos mais esperados de 2010 - tem honras de videoclip para o primeiro single (Heathen Child) realizado pelo grande Jonh Hillcoat, ora pois! O Senhor Nick Cave e amigos numa paródia kitsch com bizarria a la Grinderman! De lamber os dedos! Venha um concerto dos Grinderman rapidamente a terras lusas!
Quema la vida, quema la muerte Mentira quema la verdad Quema el amor, quema el dolor Quema la vela, quema candela Quema la sangre, quema mis venas Quema la tierra, quema candela Quema que quema, quema candela Quema que quema, quema candela Quema la sangre, quema mis venas... Coba Coba Coba Guarango Novalima, filmado em La Carmen, uma vila a duas horas do sul de Lima, o coração da música Afro peruana. E por falar em música afro peruana:
"La negra se menea : landó debajo'e la batea: landó samba malató : landó samba malató: landó " Nicomedes de Santa Cruz
Era fim de tarde quando entrámos no belíssimo recinto do castelo de Sines. Cheirava a hortelã, a mar e a mundo! Já entrara em cena Nat King Cole en Espagnol e a festa começou com a recordação do grande concerto do maestro Chucho Valdés. Mas o auge da noite foi no palco da Avenida, com a praia à esquerda e os sons dos afro-peruanos dos Novalima! Um concerto magnífico onde se dançou ritmos andinos e africanos celebrando o dia da independência do Peru: 28 de Julho de 1821.
E que privilégio é dançar os sons do Peru um mês antes da grande viagem para terras do qhichwa simi. Entre amigos, saudades e abraços a festa terminou tarde para se iniciar no dia seguinte com o grande concerto dos argentinos das 34 Puñaladas. E meus senhores ali há tango, milongas e a sombra de Piazzolla. Um magnífico início de festa no Castelo. Os palcos de Sines desdobram-se entre as muralhas que sonharam a Índia e palco da praia que anuncia outras rotas, outras músicas. Foi na praia que se evocou a magia do povo Sami com o magnífico concerto de Wimme Saari que fez nascer a bruma escondendo as estrelas do céu de Sines, anunciando uma noite brutal com o projecto N’Diale – Jacky Molard Quartet & Founé Diarra Trio e o tão esperado encontro com a cantora maliana Founé Diarra. Talvez esta noite tivesse mais a ganhar se os Fantasmas tivessem feito outros exorcismos. Mas Sines estava povoado de gente boa, boa música num cenário quase edílico que por si justifica a romaria à maravilhosa vila da costa alentejana.
Na sexta-feira foi a vez do guineense Kimmi Djabaté iniciar a dança no recinto do Castelo. E que concerto, que concerto! Há tanta coisa para descobrir por terras do gumbé! Uma hora e meia depois lá nos rendemos à voz magnífica da bela Dorothée que cantou e encantou uma plateia exigente que se avisava cada vez mais numerosa acolhendo os espectadores de última hora. Mas nem o torpor do vinho alentejano conseguiu superar o efeito hipnotizante dos grandes Tinariwen que deixaram mais saudades e a vontade viajar para terras de Timbucktu.
O percurso entre o Castelo e o palco da praia compreendia o ritual das caipirinhas da sede do PCP e foi de cachaça na mão e gelo derretido que se dançou Forró in the Dark: “um festão, pá”! E com a anca quase deslocada lá fui dançando pela noite fora os ritmos do Sofisticado Bailarico e sua Selecta convidada. Por momentos a Alice caiu na toca do coelho e lá vai disto: tudo louco a dançar até de madrugada. Sem aditivos, corantes ou conservantes (e com o devido respeito para a rapaziada do “Fogo no Museke”) o Bailarico Sofisticado é ainda a melhor proposta para encerrar a última noite do FMM.
Mas façamos uma pausa entre cerveja, caipirinhas e cenários estivais para uma salva de palmas monumental ao mago africano Cheick Tidiane Seck. Seck subiu ao Castelo, conquistou o magnífico público do FMM - terá sido um dos momentos musicalmente mais ricos do festival - que contou com a interpretação singular da grande Senhora Mamani Keita. E no Mali não há bons músicos, todos são excelentes! O timbre vocal de Keita é uma fusão de terra e fogo, o registo ideal para recordar alguns dos melhores concertos já interpretados pelas gentes do Mali (e não é que senti tantas saudades da Senhora Rokia Traoré)! Não há deserto que não dê fartura e de lá chegam alguns do melhores músicos do mundo! E por falar em mundo, “Moito Mondo” é Staff Benda Bilili! “Sou muito Congo!” Sou muito Congo!”: assim começou o melhor concerto do FMM 2010 com os congoleses de Kinshasa a derreterem os céus do Castelo.
Staff Benda Bilili significa "olhar além das aparências" - literalmente: "apresentar o que está oculto". E há tanto para descobrir! Por detrás da aparente adversidade há alegria, há vida e força! Há ritmo e verdade. Staff Benda Bilili, vieram a Sines sentados nas poltronas dos reis, foram embaixadores das vítimas da poliomielite, dos sem abrigo e das pessoas com deficiência que vivem nas terras de Kinshasa. A rapaziada entrou em palco a sorrir e não deixou ninguém verter lágrimas, senão de alegria. Cantaram dançaram, balançaram ao ritmo da rumba congolesa, tomaram de assalto o palco do Castelo com as suas cadeiras de rodas dançantes, rolaram música ao chão, esbracejaram de alegria, evocaram o melhor da alma humana. Resquícios de fogo de artifício anunciavam a festa dos deuses e a plateia tornou-se cúmplice do ritual. Todos nos despimos das nossas fraquezas, medos e merdas! Por momentos não fomos nem plateia nem público: fomos apenas massa musical, matéria orgânica dançante com um espírito imenso e alma maior. Pouco mais há para escrever mais sobre este concerto ... assim acontece com tudo o que me transcende! Que bela incapacidade! Rodam cá por casa os sons do Congo e ainda tenho aquele sorriso estampado na cara... O Sol nasceu na RD Congo e veio brilhar a Sines!
Persona: Um blogue, ou coisa que o valha, assinado por SA que um dia se chateou com o anonimato e decidiu testar o poder das siglas.
Um espaço ainda sem o nome da autora mas com registo de autor (a malta aqui não coloca palavras no prego).
Uma parceria sonora e gráfica com o Bitsounds.
Vendemos para fora e fazemos entregas ao domicílio.
Não vamos aderir ao acordo ortográfico.
Blogue não testado em animais!