18/10/10

ReMisTake #003 : Peru (Always the Sun)


Ergue-se entre vales e nuvens a cidade perdida do sol, com raízes na terra, o ventre aberto e o nome indígena de Pacchamama. Há sacrifícios que se enterram neste ventre, entre o pó dos sonhos e o rasto dos rebanhos. Há ouro e prata, há vozes cantadas que soletram lendas. Há pássaros que cantam a chama do sol e predadores cavando desfiladeiros. Cactos cinza, pó e pedras com forma de nuvem.
Há gente que oferece ao vulcão três folhas de coca num ritual indígena, escondidas sobre pedras amontoadas no caminho. Há lamas, alpacas e signos de sol no rasto das veredas incas.
Há sorrisos onde a liberdade voa segura, soprada como o vento que enaltece o voo do condor. Perfumes de flores nas asas de um colibri, há nuvens brancas empinadas em glaciares andinos e poetas que escrevem versos quando o sol se estende formando a cabeleira dos andes. Há cordilheiras e terras de fogo, mãos secas num tear de alpaca e enigmas gigantes em linhas desertas com desenhos de estrelas. Em Nasca há pássaros secos num deserto inquieto e as múmias tristes ainda aguardam o sol nascente. Em Ica há desertos como mares de ócio e silêncios longos, num entardecer tardio.
Chagamos a Pisco, terra seca com nome de uva destilada, um vazio fresco que acalma os passos lentos do viajante. Continuamos a subir para as terras altas onde o sangue se torna espesso num respirar pesado. Já aí se adivinham as folhas mascadas entre intervalos de chá e histórias de índios, flautas distantes, saudades do calor.
E navegamos para o cimo onde se esconderam os olhos do sol. Terra de terra com ventre e vento, maravilhosa vertigem do espaço aberto.
Há cidades perdidas e tesouros que tombaram em clareiras de sangue. Há mulheres que choram filhos e anos derramados. Há crianças de muco verde com olhos de azeitona preta, numa pobreza que resplende de fartura e afecto.
Ao longe, a cidade é o refúgio entre a selva e a chuva húmida. Anunciam-se os dias do fim, antecipa-se o dia de regresso e o cansaço de aqui não ser livre. Há jardins de orquídeas e colibris de fogo e um íman que nos atrai para o interior da montanha. Os olhos fecham-se na vontade de não querer voltar… olhos aprisionados nos raios de sol que se acendem num pano fundo de veludo azul.
As cidades amadurecem as vertentes do crepúsculo, guardam as pedras que me conhecem os passos, lados e ângulos nos segredos pisados por Pizarro, há gente abandonada nas praças e dos impérios.
Há tudo isto e lugar nenhum. Chegou o tempo de voltar com a tristeza de saber que estive tão perto e agora tão longe do coração do mundo.
Lá ao longe o Tejo. No fundo do seu fio azul, as portas do sol anunciam o ouro vivo de uma terra distante. Felizmente ainda há sol, e agora que conheço a sua cidade, é só fazer-me à estrada...


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Playlist
00:00 Roots, The - A Peace Of Light
01:45 TV on the Radio - Staring at the Sun
05:10 White Hinterland - Icarus
08:25 Yeasayer - Sunrise
12:15 Magic Fingers - Sunrise
14:50 Pulp - Sunrise
20:20 Swell - Sunshine
24:10 Ruby Suns - Morning Sun
28:05 Delorean - Seasun
32:05 Blackbird Blackbird - Hawaii
35:15 Lord Huron - Into The Sun

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Persona: Um blogue, ou coisa que o valha, assinado por SA que um dia se chateou com o anonimato e decidiu testar o poder das siglas.
Um espaço ainda sem o nome da autora mas com registo de autor (a malta aqui não coloca palavras no prego).
Uma parceria sonora e gráfica com o Bitsounds.
Vendemos para fora e fazemos entregas ao domicílio.
Não vamos aderir ao acordo ortográfico.
Blogue não testado em animais!