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FILMES 1- O Miúdo da Bicicleta, Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne 2- As Quatro Voltas, Michelamngelo Frammantino 3- O Deus da Carnificina, Roman Polanski 4- Essential Killing- Jerzy Skolimowski 5- Melancholia, Lars Von Trier 6- Road to Nowhere, Monte Hellman 7- Inquietos, Gus Von Sant 8- 48, Susana Sousa Dias 9- O Tio Boonmee que se Lembra das Suas Vidas Anteriores, Apichatpong Weerasethakul 10- Habemus Papa, Nanni Moretti
LIVROS 1- Elias Canetti- Auto de Fé, Cavalo de Ferro2- Vassilli Grossman -Vida e Destino, D. Quixote3- Patty Smith- Apenas Miúdos, Quetzal4- Michael Houllebecq- O Mapa e o Território, Alfaguara 5- Gonçalo.M.Tavares- Canções Mexicanas , Relógio d’Água6- Philip Mayer- Ferrugem Americana, Bertrand7- Julian Barnes, O Sentido do Fim, Quetzal8- Valter Hugo Mãe- O Filho de Mil Homens, Alfaguara9- O Museu da Rendição Incondicional- Dubravka Ugrešic, Cavalo de Ferro10- A Ilha de Sukkwan, de David Vann, Ahab
 Um disco com histórias dentro.
Ensemble, Exceprts, Fat Cat Records
 Hoje voltei aos livros de Lispector não por receio de regressar à praia da Sra Woolf, mas porque às vezes, apetece-me mudar as coisas do sítio.
Outro motivo: venho da leitura de Gonçalo.M.Tavares e isso faz apetecer ler mulheres como Milya.
De qualquer forma, penso que o corpo da literatura é, cada vez mais, um corpo feminino.
Isto não é «feminismo» é apenas uma forma de respirar debaixo de água.
Faço parte do grupo que não se senta nos transportes públicos porque prefere ler um livro de pé. Com a devida vénia ao livro, recuso sentar-me.
Aí declino todo o cavalheirismo.
Quando salto para o mar também recuso fazê-lo sentada, sustenho a respiração e só depois consigo abrir os olhos. Assim é quando o meu corpo sai de um livro. Demoro tempo a sentir as gotas da chuva.
E assim depois de algumas páginas da «paixão segundo lispector», respirei, suspirei e por fim adormeci, deixando de ter corpo.
Nestas alturas posso dar-me ao luxo de cantar à chuva e derreter.
Apenas Miúdos, de Patti Smith, a 17 de Junho nas livrarias!
"Preâmbulo
Eu estava a dormir quando ele morreu. Tinha telefonado para o hospital, para lhe dizer mais uma vez boa noite, mas ele estava inconsciente, devido às doses de morfina. Ouvi a respiração esforçada dele pelo telefone. Fiquei em pé junto da secretária com o auscultador na mão, sabendo que jamais tornaria a ouvi-lo. Mais tarde arrumei serenamente as minhas coisas, o meu caderno e a caneta de tinta permanente. O tinteiro azul-cobalto que fora dele. A minha chávena persa, o meu coração púrpura, um tabuleiro com dentinhos de leite. Subi vagarosamente as escadas, contando os degraus, catorze ao todo, um após o outro. Aconcheguei o cobertor ao bebé que estava no berço, beijei o meu filho enquanto ele dormia, e a seguir deitei-me ao lado do meu marido e rezei as minhas orações. Ele ainda está vivo, lembro-me eu de ter murmurado. A seguir dormi. Acordei cedo e quando ia a descer as escadas soube que ele morrera. Tudo estava em silêncio, menos o som do televisor que eu deixara aceso durante a noite. Fui atraída para o ecrã enquanto a Tosca declarava, com poder e pesar, a sua paixão pelo pintor Cavaradossi. Estava uma fria manhã de Março e vesti o meu camisolão. Subi os estores e a claridade entrou no estúdio. Alisei a manta grossa que cobria o meu cadeirão e escolhi um livro de pintura de Odilon Redon. Abri-o na imagem de uma cabeça de mulher a flutuar num pequeno mar. Les yeux clos. Um universo ainda não assinalado contido por detrás das pálidas pálpebras. O telefone tocou e levantei-me para ir atendê-lo. Era o Edward, o irmão mais novo do Robert. Contou que, tal como me prometera, tinha dado ao Robert um último beijo por mim. Fiquei imóvel por uns instantes, e depois, lentamente, como num sonho, regressei ao meu cadeirão. Nesse momento a Tosca iniciou a grande ária «Vissi d’arte». Vivi pelo amor, vivi pela Arte. Fechei os olhos, e entrelacei as mãos. A Providência discernira como seria a minha despedida."
 Via Quetzal
Lisboa é uma cidade de cantos, recantos e desencantos. Um dos meus encantos na cidade é a Livraria Trama. Às horas de almoço, na descida do jardim dos plátanos, gostava de passar por lá, nem que fosse apenas para espreitar livros, como quem visita um museu de obras maiores. Quando visitava a Trama saía de lá com a sensação de que tinha visitado dos melhores museus do mundo, podia não ter comprado aquele quadro do Goya ou aquele livro do Walt Whitman, mas vi-os! Melhor, sabia-os lá! E aguardava voltar em dias melhores, com a carteira mais gorda, pronta a levá-los para casa. Quando era criança ofereceram-me um livro sobre um cão. E ofereceram-me um cão. O livro vinha embrulhado em papel, decorado de laço. O cão vinha solto, sem trela... Depois compraram-lhe a trela azul, daquelas que esticam até ao fundo do jardim. Não queria vê-lo partir. Até hoje guardo a trela do amigo de quatro patas e olhos redondos. Nunca quis que ele me fugisse. Como se um fio o prendesse a mim, para sempre...  Cães e livros goraram a minha tentativa de os guardar. Como se uma corda, uma trela, um fio, um novelo os ligassem para sempre à nossas próprias pontas soltas! Tamanha ilusão! Hoje sinto todas as pontas desapegadas e talvez também eu tenha de soltar amarras. O que levo comigo? O livro de infância? Não, esse foi-me furtado pelo fio do esquecimento... O Cão? Não. Foi-me levado... partiu para terras de Timbucktu. Há um novelo que nos dá no coração quando nos afastamos dos amigos de infância. Em adultos o mesmo novelo surge quando nos afastamos de outros adultos ( mesmo aqueles que nunca tivemos tempo para chamar amigos). Como dizia a Catarina " estranha sintonia esta entre os seres desta terra". É como se o lamento tivesse um som. Aquele que o leitor escuta quando lê um livro. Hoje estou muito zangada com um país que impõe o lamento dos livros!  Era uma vez a Trama, descendo a rua... ... arrastava-me, fechando os olhos, como se carregasse restos de livros ... aqueles que também não posso comprar... pois neste reino, tudo se arrasta, tudo se conta até ao último tostão. Voltar as costas, deixar lá os livros e quem os sabe tão bem promover, foi o mesmo que soltar a trela e deixa-lo ir de vez para Timbucktu. Sinto contudo que não havia nada melhor a fazer do que lhe soltar as cordas. Parabéns à Trama que tantos amigos reuniu e que dignamente mostra que sabe soltar (as) correntes!  ... que sejam muito felizes nessa terra nova onde os livros têm vida. Obrigada. PS: As ilustrações usadas neste post foram retiradas do Livro infantil "Fico à Espera" de Davide Cali e Serge Bloch e está à venda na Trama.
É ingrato publicar listas. Pode parecer "pedantismo" ou arrogância, mas não é. Quando muito pode ser um exercício redutor, injusto e por isso difícil e ingrato. Porém, pior que a enumeração é o esquecimento. Por isso, ficam aqui as listas dos melhores momentos de 2010.
1- Livros 2010/Notas prévias: este ano foi alucinante em termos de leituras. Talvez tenha sido um dos anos com maior número de livros consumidos (eu diria devorados), livros que se vão empilhando nas mínguas estantes da sala. Por isso o critério da lista que se segue cinge-se aos livros editados em 2010. Uma nota muito especial para o grande livro de Héctor Abad Faciolince que fez as maravilhas desta leitora. Divulgado todos os ventos, Somos o Esquecimento que Seremos merece o primeiro lugar, sem dúvida. Parabéns a Vargas Llosa pelo Nobel mas acima de tudo, pela redescoberta. Este ano passaram-me pelas mãos três livros do Peruano, talvez porque o seu país me potenciou a curiosidade e a vontade de o reler. Destaco a Festa do Chibo e a magnífica (económica) solução que é a "Biblioteca de Editores Independentes", magnífico Pantaleão e as Visitadoras, e o excelente Paraíso na Outra Esquina. Um obrigado muito especial à Livraria Pó dos Livros e as maiores felicidades à Livraria Trama que voltou "apenas uns números mais acima". Por último, deixo-vos um nome que tantas lágrimas e sorrisos fez guardar: José Saramago. Ao Saramago, cujo esquecimento nunca será! 1- Somos o Esquecimento que SeremosHector Abad FaciolinceAno de Publicação: 2010 Páginas: 336 Editora: Livros Quetzal 2- Viva MéxicoAlexandra Lucas CoelhoAno de Publicação: 1.ª edição, Novembro de 2010 Páginas: 374 Editora: Tinta-da-china 3- Literatura Nazi nas AméricasRoberto Bolaño
Ano de Publicação: 2010 Páginas: 228 Editora: Livros Quetzal 4-O Museu da InocênciaOrhan PamukAno de Publicação: 2010 Páginas: 652 Editora: Editorial Presença 5- O Terceiro ReichRoberto BolañoAno de Publicação: 2010 N.º de páginas: 346 Editora: Livros Quetzal 6-VerãoJ.M. CoetzeeAno de publicação: 2010 N.º de páginas: 279 Editora: Dom Quixote 7-a máquina de fazer espanhóisvalter hugo mãe
Ano de publicação: 2010 N.º de páginas: 307 Editora: Alfaguara 8-Correspondência 1959-1971José Saramago e José Rodrigues Miguéis
Ano de publicação: 2010 N.º de páginas: 316 Editora: Caminho 8- Origem da Tristeza Pablo RamosAno de Publicação: 2010 Páginas: 160 Editora: Livros Quetzal 9-As Incríveis Aventuras de Dog Mendonça e PizzaboyFilipe Melo (argumento) e Juan Cavia (desenho) Ano de publicação: 2010 N.º de páginas: 119 Editora: Pato Profissional/Tinta da China 10- O Sonho do CeltaMario Vargas LlosaAno de Publicação: 2010 Páginas: 450 Editora: Livros Quetzal (leitura ainda não concluída)
Já que falamos em Paris porque não o devido aplauso à Tinta da China:

«Paris é uma cidade de que se pode falar no plural, tal como os gregos falavam de Atenas, porque há muitas parises e a dos estrangeiros só superficialmente tem algo em comum com a Paris dos parisienses. O estrangeiro que cruza Paris de automóvel e vai de museu em museu não suspeita sequer da presença de um mundo que lhe passa ao lado sem que ele o veja. A não ser que se tenha realmente perdido tempo numa cidade, ninguém poderá considerar que a conhece bem. A alma de uma grande cidade não se deixa apreender facilmente, é preciso, para comunicar com ela, termo-nos aborrecido, termos de algum modo sofrido nos lugares que a circunscrevem. Seja quem for, pode, sem dúvida, munir-se de um guia e constatar a presença de todos os monumentos, mas dentro dos próprios limites da cidade de Paris existe uma outra cidade de tão difícil acesso como foi dificíl outrora o acesso a Timbuctu.» Julien Green
 Fez ontem precisamente um mês. Algures entre Pisco e Nazca, nas infindáveis viagens de autocarro, perguntavam-me: - "O que lês?"- Pantaleão e as Visitadoras de Mario Vargas Llosa- respondia. - " Ah, ele é peruano e esse livro é muito bom, há um filme... não é tão bom.... mas ele é peruano!"- diziam sorrindo os compatriotas. Ando a ler El Pez en el Agua, livro que comprei em Arequipa a cidade natal de Llosa. Ontem quando conheci a decisão da academia lembrei-me dos sorrisos peruanos! Por tudo, por todas as memórias, por todas as "feridas abertas", as grandes esperanças, o prémio foi muito bem entregue! Academia Sueca resumiu numa frase o motivo da atribuição do Nobel de Literatura a Mario Vargas Llosa: (...) «for his cartography of structures of power and his trenchant images of the individual’s resistance, revolt and defeat» ou seja: (...)«pela sua cartografia das estruturas de poder e pelas suas imagens incisivas da resistência, revolta e derrota dos indivíduos». Bravo! Bravo!
 " Somos um povo de caminhos salgados". (Cap 19) As livrarias mais vazias e os estádios cada vez mais cheios.
Pelas primeiras compras na Feira do Livro de Lisboa ...  ... é fácil prever o destino a dar à semana que se segue.  Logo à tarde é a vez de correr à Banca da Relógio d'Água e aproveitar o livro do dia. E mais não digo senão ainda esgotam a Lispector.
"Creo que '2666' es la primera obra maestra del siglo XXI.Es la nueva Finnegans Wake, la novela del nuevo milenio. Sencillamente, me obsesiona y creo que su influencia sobre el resto de escritores será imparable. Leer a Bolaño ha sido una revelación para mí, por su ternura, su poesía y su filosofía. Creo que saber que iba a morir es fundamental para entender las reflexiones de sus libros. Su enorme sentido de la humanidad y, por tanto, de la inhumanidad tienen que ver con esa inminencia de la muerte. Sencillamente, cada día aprendo de él". Patti Smith Depois de se ter comovido com a poesia de Fernando Pessoa num magnífico concerto no Coliseu dos Recreios, Patti Smith rende-se a Bolaño. A "Detective Selvagem" norte americana, uma espécie de Cesáre Tinajero da "noisy poetry" escreveu um poema-canção para o autor chileno, que estreará no domingo, durante o encerramento do festival Palabra e Música, em Gijón. A notícia é avançada pelo El País e chegou-nos via Quetzal.
 "(...) Peguei numa porção de farpas de estanho e dirigi-me para o aquário. Os peixes continuavam alheios a tudo, de um lado para o outro. Tirei a tampa e espalhei uma pequena quantidade. Um peixe subiu as pedrinhas do fundo e petiscou o estanho. Então larguei o resto: uma chuva prateada, que ficou suspensa na água revolta pelo rebuliço dos peixes a comer.O cor de laranja foi o primeiro a morrer. Depois, foi a vez do transparente e, finalmente, dos outros. Subiram um a um, dando meia volta devagar; no derradeiro instante como um estertor, a pança inchada emergia da água como uma pequena ilha. Olhei para os peixes mortos a flutuar de barriga para cima. Até que a imagem se tornou esbatida e me apercebi que estava a chorar. Chorei durante muito tempo, reclinado na bancada dos papéis; e foi então que soube: era o fim, eu estava a viver o fim disto tudo que acabo de lhes contar. E deixei-me ficar ali, até que se fez demasiado tarde, até já não conseguir ver, a brilhar na água, o estanho dos peixes." Pablo Ramos, A Origem da Tristeza, Quetzal, tradução de Margarida Amado Acosta, pág. 157-158  "(...) A passagem do tempo, a passagem do tempo, o ruído dos anos, o desfiladeiro das ilusões, a quebra mortal dos anseios de todos os tipos menos o da sobrevivência." Roberto Bolaño, Nocturno Chileno, Gótica, tradução de Rui Lagartinho e Sofia Castro Rodrigues, pág. 35 Se Sebastián Urrutia Lacroix, personagem de Bolaño em Nocturno Chileno, escrevesse uma critica literária sobre a Origem da Tristeza de Pablo Ramos, talvez recorresse ao parágrafo da passagem do tempo. É ainda interessante prender o olhar no grafismo das capas. Em Pablo Ramos a tristeza, o fim dos desfiladeiros de emoções, tem cores de aquário. As lágrimas surgem apenas no final da maravilhosa narrativa. Chora-se a morte das cores e o estanho dos peixes. No Nocturno de Bolanõ o acrílico de Ken Kliff, já reflecte a cor dos peixes e do estanho que os alimenta. Dois livros de cores e nocturnos prateados, ou não fora o estanho um metal menor.
O desafio: participar neste desassossego colectivo, integrando o elenco de anónimos que interpretarão a peça musical encomendada a Eurico Carrapatoso. Destaque (para além do desafio de filmar as letras de Pessoa): a obra deste enorme compositor português será interpretada pelo Coro Ricercare e pela Orquestra Sinfonietta de Lisboa, sob a direcção do Maestro Vasco P. de Azevedo. Para além da magnífica peça de Carrapatoso, o realizador convidou Caetano Veloso a escrever canções que serão interpretadas por Lula Pena, Ricardo Ribeiro e Carminho. As cenas já começaram a rodar na cidade de Lisboa, onde João Botelho recria o escritório de Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros, semi-heterónimo de Fernando Pessoa e autor de «O livro do Desassossego». Questionado sobre a o desafio cinematográfico o realizador confessa : «Este texto só funciona lido em voz alta. Tem uma camada de música por cima da camada do sentido». Hoje começamos a gravação da peça com Coro e Orquestra, antecipando as cenas que serão rodadas em Sintra. A Ironia: Voltar a Sintra e cantar: "Teu amor pelas coisas sonhadas era o teu desprezo pelas coisas vividas..."
Aviso ao Leitor: depois de iniciar a leitura de um livro de Roberto Bolaño, difilcilmente conseguirá beber um chá ainda quente! Ainda era cedo para dormir, nada na televisão anunciava mais do que uma noite aborrecida, e embora evitasse consumir de uma assentada o meu último tesouro, restava-me voltar ao livro, silenciar o CD que rodava há horas, acender a luz fosca ao lado do sofá e ler. Tinha descoberto um novo amigo, o escritor chileno de que todos falavam: Roberto Bolãno. Fui relutante em comprar "2666". As críticas eram exageradamente entusiastas e tenho a mania de reagir de forma crítica à crítica. Para além disso, os acontecimentos literários do ano tinham montado tamanha parafernália em volta do autor, que decidi esperar por uma altura mais calma (talvez no verão, nas tardes à beira mar) para conhecer este escritor chileno.
Não resisti e acabei por me render a "2666" no início de 2010. Façamos as contas, afinal não fui assim tão tarde à descoberta de um dos melhores autores de sempre.
Depois da lançamento do Terceiro Reich, corri à livraria, tentei disfarçar o desinteresse pelo absurdo preço dos livros neste país, não perdi tempo e sentei-me na esplanada em frente ao jardim. Pedi um chá de menta e folhei o livro. O que tencionava ser a primeira leitura de um único parágrafo, transformou-se na actividade principal da tarde de sábado. Acabei por ficar na esplanada e pedir mais um chá de menta, acabei por o beber frio! Hoje é noite de Domingo e estou prestes a terminar o livro. Escrevo no intuito o dilatar. Olho para a estante e vejo o nome de Bolaño criteriosamente destacado entre os grandes da literatura mundial. Ao chegar ao dia 30 de Agosto (11.º Capítulo do Terceiro Reich) começo a sentir uma espécie de nostalgia, aquela que se sente quando se aproximam o fim de umas boas férias, como se cada página fosse o prenúncio de um Setembro prematuro e bucólico. Porque motivo Bolaño não imitou Proust e editou a sua obra em volumes que se vão lendo em busca do tempo perdido? Entre devaneios, segurando o livro nas mãos, suspirei por novas edições póstumas do autor. Acabei por recordar a Morte em Veneza de Thomas Mann. O que seria de mim se chegasse ao verão sem um novo Bolaño para partilhar as tardes em frente ao mar? Sorri dos meus devaneios com o conforto dos que sabem ter encontrado um bom amigo. Quando estamos acompanhados de um bom livro, nada mais nos tolda o pensamento, encontramos mais do que um ombro amigo. É como se soubéssemos que temos sempre alguém em casa à nossa espera, alguém e que nos acompanha até à chegada do sono ou na ausência dele. Naquela noite queimei o resto do incenso de sândalo e cerejeira, desliguei o Cd que rodava há horas, Ali Farka Touré e Toumani Diabaté… que privilégio ter acesso a edições de luxo em pleno mês de Fevereiro! Com um toque no botão esquerdo do leitor de Cd’s, despedi-me dos bons amigos do deserto e precipitei-me a preparar um chá. Em breve iria retomar a leitura do Terceiro Reich, como se convidasse Bolaño para beber um chá. Sempre que recebo alguém especial, muito acarinhado, preparo um chá. É obrigatório, quase um cerimonial. Dirigi-me à cozinha, verti água mineral sobre a chaleira e aguardei a cantilena do vapor, anunciando o momento certo para iniciar o ritual das ervas. O bule era transparente. Lá dentro rodopiavam folhas de erva príncipe e anéis de anis estrelado. Com os cotovelos pousados no mármore frio, olhava o bule como se contemplasse um aquário colorido. Adorava seguir o bailado suado das folhas de chá. Nessa altura, tocou a campainha. Seria a minha? Ninguém me procura à noite, muito menos nas noites de chuva. Por isso continuei a olhar a infusão, coloquei a mão sobre o vapor que saía do bule e, contemplando a palma desenhada por gotas de vapor perfumado, inspirei o aroma das ervas. A campainha voltou a tocar. Seria provavelmente a vizinha de baixo na insistência do episódio das infiltrações ao qual eu teimava alhear-me. Quando se assiste aos segredos do chá, quando nos preparamos para mergulhar em Bolaño, não há a mínima disponibilidade mental para infiltrações da vizinhança. Por isso não abri a porta. No sofá, saboreava o chá quente à espera a que a campainha parasse de tocar. Iniciei uma batalha de teimosia e silêncio, pontuada de chá e incenso perfumado. Peguei no Terceiro Reich- retomei a leitura. Encontrei-me no Hotel Del Mar com Udo, Ingeborg, Hanna e Charly, acompanhei-os até ao fim de Setembro. Fechei o livro esperando uma próxima e breve edição do autor. Enquanto isso e porque já era tarde, bebi o chá já frio.
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