Quem faz "A" viagem são os viajantes. Aos Tugatreckers que nunca foram turistas.
«Assim, num primeiro momento, é preciso aceitar os odores de um mercado oriental, os aromas do incenso, do açafrão ou do sândalo de um templo budista, desejar as cores alaranjadas, azuis e violeta de um pôr-de-sol no cume das dunas sarianas, acolher com benevolência o calor seco, brutal e dessecante de um deserto africano, escutar com deslumbramento os gritos dos pássaros raros ou dos macacos-uivadores, o coaxar dos sapos lerdos ou os zunidos dos élitros dos insectos tropicais, descobrir a sombra das ruelas, a frescura das ruas, a obscuridade dos túneis das cidades mediterrânicas, beber a água gelada de uma fonte medieval perdida numa cidade contemporânea, deixar a boca ser invadida pelo sabor de uma papaia, pela violência verde de um limão, pelo gosto amargo contudo caramelizado de um café do Kanyan, ou mesmo pelo tabaco egípcio perfumado com maçã ou pelo ópio chinês, sentir a textura e a porosidade das pedras tombadas de um templo siciliano por onde deambularam filósofos pré-socráticos - sentir violentamente o seu corpo existir na doçura de um instante vivido de uma forma mágica e magnífica.» Michel Onfray, Teoria da Viagem- Uma Poética da Geografia, Quetzal , pag. 53/54) Foto: Guatemala, 2009
Acabei de ler “Viva México”, recente e magnífica edição da Tinta da China sob a coordenação de Carlos Vaz Marques. Mais uma assinalável parceria com Alexandra Lucas Coelho. Altamente recomendado. Há livros que nos fazem viajar, outros tantos que se limitam a testemunhar uma viagem, mas nem todos os autores conseguem arrepiar com as suas crónicas. O México é assim, exactamente como Alexandra o descreve. Façam o favor de ler este livro, ou então peguem na Mochila e corram o risco!
De tão real nas vivências e nas descrições “Viva México” desperta-nos a “larva mexicana”: existe uma lenda mexicana sobre a larva de um cacto. Reza a lenda que quem come cacto, ingere uma espécie de larva que vai germinando nas entranhas fazendo-nos regressar. Quando estive no México comi cacto, mole, guacamole, tacos, burritos, bebi mezcal e tequilla, enfim ingeri todo o tipo das “larvas del retorno”, tamanha fatalidade! “Viva México” desperta esta larva, as inquietações, uma "sangria que às vezes dá saúde, às vezes mata", como cantava muchíssima querida Lhasa. Quando viajei pelo Yucatan, conheci um jovem que lia José Saramago, sob o pretexto de ser portuguesa e de adorar Saramago, comecei a conversar com o jovem. Poucas horas depois falávamos de literatura, de pintura, de arte, de política, da revolução, da história do México, de gastronomia. José Baquedano ainda hoje é um grande amigo. José é neto de um Yucateca contador de "liendas". “Ahorita vamos a platear?”- sim tal como relata Alexandra nas primeiras páginas do seu México - o José como bom mexicano, conversava durante horas e contava tantas lendas! Numa das pausas da viagem, enquanto nos banhávamos num maravilhoso cenote, José disse: “há outra lenda yucateca - quem bebe da água do cenote, voltará sempre ao México”. Eu bebi. Visitei o México em Setembro de 2008. Esta viagem modificou toda a minha percepção da América Latina. A partir de então desci a rota dos Aztecas, segui a Rota dos Maias (Guatemala, Honduras, El Salvador e Nicarágua) para acabar no templo dos Incas. O México é a porta de entrada da América Latina. Mais tarde, ao ler os Detectives Selvagens e o 2666 do chileno Roberto Bolaño decidi voltar ao inquieto deserto mexicano. O México é mágico, fascinante, delicia-nos, seduz-nos, mata-nos!
Torna-nos lânguidos durante o dia, atentos a cada minuto e mortos-vivos à noite! Desperta-nos nos arrombos do Mezcal e da Tequilla, na música, nas cores, nas memórias de Frida e Diego, adormece-nos debaixo do vulcão, de cara en la pared..., leva-nos a todas as fronteiras, ao coração da palavra Revolução, faz-nos chorar! Sim o México faz-nos chorar!
Tenho de regressar. Reza a lenda que México será para siempre mi casa…
«A Europa está morta e eu sou europeia. Ou, mais exactamente, do Velho Mundo. Ao fim do primeiro dia na Cidade do México, a levitar como se me tivesse dissolvido na multidão, vi que sou do Velho Mundo. E ao longo de três semanas a viajar pelo México, do deserto de Chihuahua à selva do Yucatán, vi como sou do Velho Mundo. O México dá vontade de chorar, um choro de séculos em que não percebemos porque choramos, se somos nós que choramos, se não seremos nós já eles. Nunca, em lugar algum, me pareceu que tudo coexiste, tempos e espaços, cimento e natureza, homens e animais, até aceitarmos que o nosso próprio corpo faz parte daquela amálgama acre, ligeiramente ácida, de pele suada com muito "chile". Octavio Paz descreve os mexicanos como o mais solitário dos povos, perpetuamente incapaz de transpor e ser transposto. Por isso, e por tudo e por nada, existe a "fiesta". É uma necessidade orgânica, a descarga. Este Novo Mundo começa no extermínio, e isso há-de significar qualquer coisa. No tempo indígena significa que o extermínio histórico faz parte do presente.» Viva México, Alexandra Lucas Coelho, Tinta da China ed.(2010)
Fez ontem precisamente um mês. Algures entre Pisco e Nazca, nas infindáveis viagens de autocarro, perguntavam-me: - "O que lês?" - Pantaleão e as Visitadoras de Mario Vargas Llosa- respondia. - "Ah, ele é peruano e esse livro é muito bom, há um filme... não é tão bom.... mas ele é peruano!"- diziam sorrindo os compatriotas. Ando a ler El Pez en el Agua, livro que comprei em Arequipa a cidade natal de Llosa. Ontem quando conheci a decisão da academia lembrei-me dos sorrisos peruanos! Por tudo, por todas as memórias, por todas as "feridas abertas", as grandes esperanças, o prémio foi muito bem entregue!
Academia Sueca resumiu numa frase o motivo da atribuição do Nobel de Literatura a Mario Vargas Llosa: (...) «for his cartography of structures of power and his trenchant images of the individual’s resistance, revolt and defeat» ou seja: (...)«pela sua cartografia das estruturas de poder e pelas suas imagens incisivas da resistência, revolta e derrota dos indivíduos».
“Todo o dia sentados num banco do pátio, num branco, estavam os quatro filhos idiotas do matrimônio Mazzini-Ferraz. Tinham a língua entre os lábios, os olhos estúpidos, e viravam a cabeça com a boca toda aberta. O pátio era de terra batida, fechado a oeste por um muro de ladrilhos. O banco ficava paralelo a esse muro, a cinco metros, e se mantinham eles imóveis, com os olhos fixos nos ladrilhos. Com o sol ao declinar-se ocultava por trás do muro, os idiotas tinham festa. Ao princípio, a luz cegante chamava sua atenção; pouco a pouco, seus olhos animavam-se; por fim riam-se ruidosamente, congestionados pela mesma hilaridade ansiosa, contemplando o sol com uma espécie de bestas, como se fosse comida. Outras vezes, alienados no banco, zumbiam horas inteiras imitando o carro eléctrico. Os ruídos fortes abanavam a sua inércia e então corriam mordendo à volta do pátio, mordendo a língua e mugindo. Mas quase sempre estavam apagados, num sombrio letargo de idiotismo, e passavam todo o dia sentados em seu banco, com as pernas suspensas e quietas, empapando de saliva as calças. O mais velho tinha doze anos e o menor tinha oito. Em todo seu aspecto sujo e desvalido se notava a ausência absoluta de cuidado materno. Esses quatro idiotas, no entanto, tinham sido um dia o encanto de seus pais. Três meses de casados, Manzzini e Berta orientaram seu estreito amor de marido e mulher e mulher e marido para um futuro muito mais vital: um filho. Que maior felicidade para os apaixonados que essa honrosa consagração de seu carinho, liberto já do vil egoísmo de um mútuo amor sem finalidade, e o que é pior para o amor em si mesmo, sem possíveis esperanças possíveis de renovação? (...)"
Horácio Quiroga, Contos de Amor, Loucura e Morte, "A Galinha Degolada" excerto, Colecção Gente Independente, trad. Ana Santos, Cavalo de Ferro editores, 2010, pag 47-48
Sob o signo de Borges, Somos o Esquecimento que Seremos, é um livro belíssimo, sincero e comovente escrito por um grande nome da literatura colombiana, Héctor Abad Faciolince. Para ilustrar a beleza desta maravilhosa "carta ao pai", ficam fotos que nos fazem viajar até à Colômbia.
“ (…) Quando o meu pai regressava das suas viagens à Indonésia ou às Filipinas, que para mim duravam anos (depois soube que, ao todo, terão sido quinze ou vinte meses de orfandade, distribuída por várias etapas), lembro-me da profunda comoção que sentia no aeroporto antes de ele chegar. Era uma sensação de medo misturada com euforia, semelhante à agitação que sentimos antes de ver o mar, quando cheiramos a sua proximidade no ar e até ouvimos os rugidos das ondas ao longe, mas não o vislumbramos ainda, apenas o intuímos pressentimos e imaginamos. Vejo-me na varanda do aeroporto Olaya Herrera, uma grande varanda que dava para a pista, os meus joelhos metidos entre barrotes, os braços quase a tocarem as asas dos aviões, alguém anuncia nos altifalantes «O avião HK-2142 proveniente do Panamá está prestes a aterrar», os motores rugem ao longe e de repente, a visão do alumínio iluminado, a aproximar-se entre cintilações solares, denso, pesado, majestoso, surgindo por um dos lados do cerro Nutibara, roçando o cume com uma proximidade de tragédia e de vertigem.
Finalmente, o Supercontellation que trazia o meu pai aterrava, uma baleia formidável que precisava de toda a pista para travar nos últimos metros, e girava lentamente para se aproximar da plataforma, pesadão, como um transatlântico prestes a atracar, demasiado devagar para as minhas ânsias (eu tinha de desatar aos saltos para me conter) desligava os seus quatro motores de hélice que quase não deixavam de girar, as aspas invisíveis formando uma névoa de ar liquidificado, enquanto não paravam não se abria a porta, e os empregados empurravam e ajustavam as escadas com letras azuis. A respiração agitava-se, as minhas irmãs estavam todas vestidas de festa, de sainha de renda, e lá começavam a aparecer corpos, saindo em fila indiana do ventre do avião pela porta da frente. Não é aquele, não é aquele, aquele também não, até que, finalmente, no ponto mais alto da escada, aparecia ele, inconfundível com o seu fato escuro, de gravata, a careca brilhante, os óculos grossos de armação quadrada e o olhar feliz, acenando-nos com a mão ao longe, sorrindo das alturas, um herói para nós, um pai que regressava de uma missão na Ásia mais profunda carregado de presentes (pérolas e sedas chinesas, pequenas esculturas de marfim e de ébano, baús de teca carregados de toalhas e talheres, bailarinas do Bali, leques de pavão, tecidos indianos com espelhinhos e conchas marinhas, pastilhas de incensos aromáticos), de gargalhadas, de histórias, de alegrias para me arrastar daquele mundo sórdido de terços, doenças, pecados, saias esotainas, rezas, espíritos, fantasmas e superstição. Acho que poucas vezes senti , nem voltarei a senti, um descanso e uma felicidade iguais, pois era o meu salvador que chegava, o meu verdadeiro salvador.” Héctor Abad Faciolince, Somos o Esquecimento que Seremos, tradução de Margarida Amado da Costa, Quetzal, pág 133-134 Fotos: João Friezas
Este vídeo foi recomendado por um amigo alfarrabista, daqueles que se comovem quando contam uma história... E é impossível não ficar comovido com esta biblioteca. Belo! "Num ritual repetido quase todos os finais de semana da década passada em La Gloria, região da Colômbia fatigada pela guerra, Luis Soriano reuniu seus dois burros, Alfa e Beto, na frente de sua casa numa recente tarde de sábado. Já transpirando sob o implacável sol, ele amarrou nas costas dos animais bolsas com a palavra “Biblioburro” pintada em letras azuis, e as encheu com uma eclética carga de livros destinados aos habitantes das pequenas vilas mais além. Suas escolhas incluíam “Anaconda”, a fábula animal do escritor uruguaio Horacio Quiroga que evoca “The Jungle Book”, de Kipling; alguns livros de fotos da Time-Life (na Escandinávia, no Japão e nas Antilhas); e o “Dicionário da Academia Real da Linguagem Espanhola”. 'Comecei com 70 livros, e agora tenho uma coleção com mais de 4.800', disse Soriano, 36 anos, professor de escola primária que vive aqui numa pequena casa com sua esposa, seus três filhos, e livros empilhados até o tecto. 'Tudo começou como uma necessidade; então se tornou uma obrigação; e depois disso, um hábito', explicou, olhando as montanhas se ondulando no horizonte. 'Agora', disse, 'é uma instituição'. O Biblioburro de Soriano é uma pequena instituição: um homem e dois burros. Ele a criou a partir da simples crença de que o acto de levar livros a pessoas que não os têm poderia, de alguma forma, melhorar esta região empobrecida – e talvez a Colômbia. Ao fazer isso, Soriano emergiu como o mais conhecido residente de La Gloria, uma cidade que se sente isolada dos ritmos do mundo maior. Soriano nunca saiu da Colômbia – mas se mantém dedicado a trazer a seu povo um toque do mundo externo. Seu projeto ganhou a aprovação de especialistas em alfabetização do país e é o assunto de um novo documentário de um cineasta colombiano, Carlos Rendon Zipaguata." (Simón Romero, in The New York Times)
"Em Antígua a segunda cidade dos conquistadores, de horizonte límpido e velha veste colonial, o espírito religioso entristece a paisagem. Nesta cidade de igrejas sente-se uma grande necessidade de pecar. Alguma porta se abre dando passagem ao senhor bispo, seguido o senhor alcaide. Fala-se a meia voz. Vê-se de pálpebras descidas. A visão da vida através dos olhos entreabertos é clássica nas cidades conventuais. Ruas de hortas. Arcadas. Pátios solarengos onde se afanam as fontes claras. Timbre grave dos sinos. Oxalá se coserve esta cidade antiga sob a cruz católica e a guarda fiel dos seus vulcões! Logo, festas reais celebradas em geniais dias e festivais solenidades. As senhoras em cadeiras de altos espaldares, deixam-se saudar por cavaleiros de bigode petulante e ataviados de negro e prata. Esta junta ao pé breve o olhar lânguido. Aquela tem os cabelos de seda. Um perfume desmaia a respiração da que conversa agora com o senhor da Audiência. A noite penetra… penetra… O bispo retira-se, seguido dos bedéis. O tesoureiro, gentil homem e cavaleiro da ordem de montesa, narra a história das linhagens. Dos castiçais de vidro cai a luz das velas entumecida e eclesiástica. A música é suave e fervente, e a dança triste a compasso de três por quatro. A intervalos ouve-se a voz do tesoureiro, que comenta o tratamento de «Muy ilustre Senhor» concedido ao Conde de la Gomera, o capitão general do reino, e o eco dos relógios velhos que contam o tempo sem se enganar. A noite penetra… penetra… O cuco dos sonhos vai teclando os contos.
Estamos no templo de S. Francisco. O olhar alcança a grade que fecha o altarda Virgem de Loreto, os pavimentos de azulejos de Génova, as colgaduras de Damasco, os tafetás de Granada e os terciopelos carmesim e de brocado! Aqui apodreceram mais de três bispos e as ratas atraem maus pensamentos. Pelas altas janelas entra furtivamente o ouro da Lua. Meia Luz. As velas sem chamas e a Virgem sem olhos na sombra. Uma mulher chora diante da Virgem. O seu soluçar num fio, vai cortando o silêncio. O irmão Pedro Betancourt vem orar depois da meia-noite: deu pão aos famintos, asilo aos órfãos e alívio aos enfermos. O seu passo é inaudível, anda como voa uma pomba. Imperceptivelmente aproxima-se da mulher que chora, pergunta-lhe que penas a afligem, sem reparar em que é a sombra de uma mulher inconsolável, e ouve-a dizer: - Choro porque perdi um homeme que amava muito: não era meu esposo, mas amava-o muito!... perdão, irmão, isto é pecado! O religioso levantou os olhos em busca da Virgem, e … que extraordinário!, tinha crescido e estava mais forte. De repente sentiu cair-lhe sobre os ombros a capa aventureira, a espada cingida à cintura, a bota à perna, a espora ao calcanhar e a pluma no chapéu. E compreendendo tudo, porque era santo, sem dizer palavra inclinou-se ante a dama que estava a chorar… " Miguel Angel Asturias, Lendas da Guatemala, "Guatemala", Publicações D. Quixote, 1967, pag.16-15
Fotos:Persona, dos albúns"Antígua, Guatemala, Setembro 2009" e " Quetzalcastenango, Guatemala, 2009"
"Urania. Os seus pais não lhe tinham feito um favor; o nome dela dava a ideia de um planeta, de um mineral, de tudo, excepto da mulher espigada e de traços finos, tez queimada e grandes olhos escuros, um pouco tristes, que o espelho lhe devolvia. Urania! Que ideia. Felizmente já ninguém a tratava assim, mas por Uri, Miss Cabral, Mrs. Cabral ou Doctor Cabral. Que se lembrasse, desde que saiu de Santo Domingo («Ou melhor, de Ciudad Trujillo», quando partiu ainda não tinham devolvido o seu nome à capital), nem em Adrian, nem em Boston, nem em Washington DC, nem em Nova Iorque, ninguém voltara a chamar -lhe Urania, como antes em sua casa e no Colégio Santo Domingo, onde as sisters e as suas companheiras pronunciavam correctissimamente o disparatado nome que lhe infligiram à nascença. Fora ideia dele, dela? Era tarde para o averiguar, rapariga; a tua mãe estava no Céu e o teu pai morto em vida. Nunca o saberás. Urania! Tão absurdo como diante da antiga cidade de Santo Domingo de Guzmán chamar -lhe Ciudad Trujillo. Teria sido tambémo seu pai a ter essa ideia? Está à espera que o mar assome à janela do seu quarto, no nono andar do Hotel Jaragua, e vê -o por fim. A escuridão de em poucos segundos e o esplendor azulado do horizonte, crescendo rápido, inicia o espectáculo que aguarda desde que acordou, às quatro, apesar do comprimido que tomara, quebrando as suas prevenções contra os soporíferos. A superfície azul-escura do mar, encimada por manchas de espuma, vai encontrar-se com um céu em tons de chumbo na remota linha do horizonte, e, aqui, na costa, quebra -se em ondas sonoras e escumantes contra o Paredão, do qual avista pedaços de calçada entre as palmeiras e amendoeiras que o ladeiam." Mario Vargas Llosa, A Festa do Chibo, tradução Miguel Serras Pereira, Publicações D. Quixote, pag 7-8
NOCTURNO A Mariano de Cavia. Los que auscultasteis el corazón de la noche, los que por el insomnio tenaz habéis oído el cerrar de una puerta, el resonar de un coche lejano, un eco vago, un ligero rüido...
En los instantes del silencio misterioso, cuando surgen de su prisión los olvidados, en la hora de los muertos, en la hora del reposo, sabréis leer estos versos de amargor impregnados...
Como en un vaso vierto en ellos mis dolores de lejanos recuerdos y desgracias funestas, y las tristes nostalgias de mi alma, ebria de flores, y el duelo de mi corazón, triste de fiestas.
y el pesar de no ser lo que yo hubiera sido, la pérdida del reino que estaba para mí, el pensar que un instante pude no haber nacido, ¡y el sueño que es mi vida desde que yo nací!
Todo esto viene en medio del silencio profundo en que la noche envuelve la terrena ilusión, y siento como un eco del corazón del mundo que penetra y conmueve mi propio corazón.
Rubén Darío (Metapa, actualmente Ciudad Darío, 1867 - León, Nicarágua, 1916)Fotos: Persona (Nicarágua, Granada, Léon, Setembro 2009)
Aproveitando a febre lançada pela temática “Viagem Literária”que tem o mérito de sugerir rotas associadas a leituras interessantes (Orhan Pamuk, Rabindranath Tagore, Hemingway, Henry Miller, Boris Vian ou Lawrence Stern) eis a rubrica Da Literatura da América, uma homenagem à literatura da América (em particular a América Central e Latina), que muito tem contribuído para definir as rotas e viagens cá do burgo.
Assim cria-se um espaço onde se registam memórias, histórias, e imagens das viagens vividas, e ainda por fazer. O relato passa pela escolha de alguns dos favoritos das letras de cada a país. Em breve haverá um podcast que ajudará os viajantes/leitores/cinéfilos a escolher novas rotas, mais livros e outras películas.
E quem sabe, no final desta brincadeira ainda se transforma este blogue em agência de viagens...
Argentina: Jorge Luis Borges
"Ao outro, a Borges, é que acontecem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires e demoro-me, talvez já mecanicamente, na contemplação do arco de um saguão e da cancela; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo o seu nome num trio de professores ou num dicionário biográfico. Agradam-me os relógios de areia, os mapas, a tipografia do século XVIII, as etimologias, o sabor do café e a prosa de Stevenson; o outro comunga dessas preferências, mas de um modo vaidoso que as converte em atributos de um actor. Seria exagerado afirmar que a nossa relação é hostil; eu vivo, eu deixo-me viver, para que Borges possa urdir a sua literatura, e essa literatura justifica-me. Não me custa confessar que conseguiu certas páginas válidas, mas essas páginas não me podem salvar, talvez porque o bom já não seja de alguém, nem sequer do outro, mas da linguagem ou da tradição. Quanto ao mais, estou destinado a perder-me definitivamente, e só algum instante de mim poderá sobreviver no outro. Pouco a pouco vou-lhe cedendo tudo, ainda que me conste o seu perverso hábito de falsificar e magnificar. Espinosa entendeu que todas as coisas querem perseverar no seu ser; a pedra eternamente quer ser pedra, e o tigre um tigre. Eu hei-de ficar em Borges, não em mim (se é que sou alguém), mas reconheço-me menos nos seus livros do que em muitos outros ou no laborioso toque de uma viola. Há anos tratei de me livrar dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos agora são de Borges e terei de imaginar outras coisas. Assim, a minha vida é uma fuga e tudo perco, tudo é do esquecimento ou do outro. Não sei qual dos dois escreve esta página. "
Borges, Jorge Luis, O fazedor (Obras Completas Vol.II), Lisboa, Teorema.
Fotos: João Friezas, Argentina (Street Markets e La Boca)
Persona: Um blogue, ou coisa que o valha, assinado por SA que um dia se chateou com o anonimato e decidiu testar o poder das siglas.
Um espaço ainda sem o nome da autora mas com registo de autor (a malta aqui não coloca palavras no prego).
Uma parceria sonora e gráfica com o Bitsounds.
Vendemos para fora e fazemos entregas ao domicílio.
Não vamos aderir ao acordo ortográfico.
Blogue não testado em animais!