“Todo o dia sentados num banco do pátio, num branco, estavam os quatro filhos idiotas do matrimônio Mazzini-Ferraz. Tinham a língua entre os lábios, os olhos estúpidos, e viravam a cabeça com a boca toda aberta.
O pátio era de terra batida, fechado a oeste por um muro de ladrilhos. O banco ficava paralelo a esse muro, a cinco metros, e se mantinham eles imóveis, com os olhos fixos nos ladrilhos. Com o sol ao declinar-se ocultava por trás do muro, os idiotas tinham festa. Ao princípio, a luz cegante chamava sua atenção; pouco a pouco, seus olhos animavam-se; por fim riam-se ruidosamente, congestionados pela mesma hilaridade ansiosa, contemplando o sol com uma espécie de bestas, como se fosse comida.
Outras vezes, alienados no banco, zumbiam horas inteiras imitando o carro eléctrico. Os ruídos fortes abanavam a sua inércia e então corriam mordendo à volta do pátio, mordendo a língua e mugindo. Mas quase sempre estavam apagados, num sombrio letargo de idiotismo, e passavam todo o dia sentados em seu banco, com as pernas suspensas e quietas, empapando de saliva as calças.
O mais velho tinha doze anos e o menor tinha oito. Em todo seu aspecto sujo e desvalido se notava a ausência absoluta de cuidado materno.
Esses quatro idiotas, no entanto, tinham sido um dia o encanto de seus pais. Três meses de casados, Manzzini e Berta orientaram seu estreito amor de marido e mulher e mulher e marido para um futuro muito mais vital: um filho. Que maior felicidade para os apaixonados que essa honrosa consagração de seu carinho, liberto já do vil egoísmo de um mútuo amor sem finalidade, e o que é pior para o amor em si mesmo, sem possíveis esperanças possíveis de renovação? (...)"
Fotos: João Friezas (Uruguai, Março de 2010)
O pátio era de terra batida, fechado a oeste por um muro de ladrilhos. O banco ficava paralelo a esse muro, a cinco metros, e se mantinham eles imóveis, com os olhos fixos nos ladrilhos. Com o sol ao declinar-se ocultava por trás do muro, os idiotas tinham festa. Ao princípio, a luz cegante chamava sua atenção; pouco a pouco, seus olhos animavam-se; por fim riam-se ruidosamente, congestionados pela mesma hilaridade ansiosa, contemplando o sol com uma espécie de bestas, como se fosse comida.
Outras vezes, alienados no banco, zumbiam horas inteiras imitando o carro eléctrico. Os ruídos fortes abanavam a sua inércia e então corriam mordendo à volta do pátio, mordendo a língua e mugindo. Mas quase sempre estavam apagados, num sombrio letargo de idiotismo, e passavam todo o dia sentados em seu banco, com as pernas suspensas e quietas, empapando de saliva as calças.
O mais velho tinha doze anos e o menor tinha oito. Em todo seu aspecto sujo e desvalido se notava a ausência absoluta de cuidado materno.
Esses quatro idiotas, no entanto, tinham sido um dia o encanto de seus pais. Três meses de casados, Manzzini e Berta orientaram seu estreito amor de marido e mulher e mulher e marido para um futuro muito mais vital: um filho. Que maior felicidade para os apaixonados que essa honrosa consagração de seu carinho, liberto já do vil egoísmo de um mútuo amor sem finalidade, e o que é pior para o amor em si mesmo, sem possíveis esperanças possíveis de renovação? (...)"
Horácio Quiroga, Contos de Amor, Loucura e Morte, "A Galinha Degolada" excerto, Colecção Gente Independente, trad. Ana Santos, Cavalo de Ferro editores, 2010, pag 47-48