"(...) Peguei numa porção de farpas de estanho e dirigi-me para o aquário. Os peixes continuavam alheios a tudo, de um lado para o outro. Tirei a tampa e espalhei uma pequena quantidade. Um peixe subiu as pedrinhas do fundo e petiscou o estanho. Então larguei o resto: uma chuva prateada, que ficou suspensa na água revolta pelo rebuliço dos peixes a comer.
O cor de laranja foi o primeiro a morrer. Depois, foi a vez do transparente e, finalmente, dos outros. Subiram um a um, dando meia volta devagar; no derradeiro instante como um estertor, a pança inchada emergia da água como uma pequena ilha. Olhei para os peixes mortos a flutuar de barriga para cima. Até que a imagem se tornou esbatida e me apercebi que estava a chorar. Chorei durante muito tempo, reclinado na bancada dos papéis; e foi então que soube: era o fim, eu estava a viver o fim disto tudo que acabo de lhes contar. E deixei-me ficar ali, até que se fez demasiado tarde, até já não conseguir ver, a brilhar na água, o estanho dos peixes."
Pablo Ramos, A Origem da Tristeza, Quetzal, tradução de Margarida Amado Acosta, pág. 157-158
"(...) A passagem do tempo, a passagem do tempo, o ruído dos anos, o desfiladeiro das ilusões, a quebra mortal dos anseios de todos os tipos menos o da sobrevivência."
Roberto Bolaño, Nocturno Chileno, Gótica, tradução de Rui Lagartinho e Sofia Castro Rodrigues, pág. 35
Se Sebastián Urrutia Lacroix, personagem de Bolaño em Nocturno Chileno, escrevesse uma critica literária sobre a Origem da Tristeza de Pablo Ramos, talvez recorresse ao parágrafo da passagem do tempo.
É ainda interessante prender o olhar no grafismo das capas. Em Pablo Ramos a tristeza, o fim dos desfiladeiros de emoções, tem cores de aquário. As lágrimas surgem apenas no final da maravilhosa narrativa. Chora-se a morte das cores e o estanho dos peixes.
No Nocturno de Bolanõ o acrílico de Ken Kliff, já reflecte a cor dos peixes e do estanho que os alimenta.
Dois livros de cores e nocturnos prateados, ou não fora o estanho um metal menor.