13/04/11

O lamento dos Livros

Lisboa é uma cidade de cantos, recantos e desencantos. Um dos meus encantos na cidade é a Livraria Trama. Às horas de almoço, na descida do jardim dos plátanos, gostava de passar por lá, nem que fosse apenas para espreitar livros, como quem visita um museu de obras maiores. Quando visitava a Trama saía de lá com a sensação de que tinha visitado dos melhores museus do mundo, podia não ter comprado aquele quadro do Goya ou aquele livro do Walt Whitman, mas vi-os! Melhor, sabia-os lá! E aguardava voltar em dias melhores, com a carteira mais gorda, pronta a levá-los para casa.

Quando era criança ofereceram-me um livro sobre um cão. E ofereceram-me um cão. O livro vinha embrulhado em papel, decorado de laço. O cão vinha solto, sem trela...

Depois compraram-lhe a trela azul, daquelas que esticam até ao fundo do jardim. Não queria vê-lo partir. Até hoje guardo a trela do amigo de quatro patas e olhos redondos. Nunca quis que ele me fugisse. Como se um fio o prendesse a mim, para sempre...Cães e livros goraram a minha tentativa de os guardar. Como se uma corda, uma trela, um fio, um novelo os ligassem para sempre à nossas próprias pontas soltas! Tamanha ilusão! Hoje sinto todas as pontas desapegadas e talvez também eu tenha de soltar amarras. O que levo comigo? O livro de infância? Não, esse foi-me furtado pelo fio do esquecimento... O Cão? Não. Foi-me levado... partiu para terras de Timbucktu. Há um novelo que nos dá no coração quando nos afastamos dos amigos de infância. Em adultos o mesmo novelo surge quando nos afastamos de outros adultos ( mesmo aqueles que nunca tivemos tempo para chamar amigos). Como dizia a Catarina " estranha sintonia esta entre os seres desta terra". É como se o lamento tivesse um som. Aquele que o leitor escuta quando lê um livro.
Hoje estou muito zangada com um país que impõe o lamento dos livros! Era uma vez a Trama, descendo a rua...
... arrastava-me, fechando os olhos, como se carregasse restos de livros ... aqueles que também não posso comprar... pois neste reino, tudo se arrasta, tudo se conta até ao último tostão. Voltar as costas, deixar lá os livros e quem os sabe tão bem promover, foi o mesmo que soltar a trela e deixa-lo ir de vez para Timbucktu. Sinto contudo que não havia nada melhor a fazer do que lhe soltar as cordas. Parabéns à Trama que tantos amigos reuniu e que dignamente mostra que sabe soltar (as) correntes!
... que sejam muito felizes nessa terra nova onde os livros têm vida. Obrigada. PS: As ilustrações usadas neste post foram retiradas do Livro infantil "Fico à Espera" de Davide Cali e Serge Bloch e está à venda na Trama.

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