13/01/12

Outra vez Resnais

Muriel ou o Tempo de um Retorno é a terceira longa-metragem de Alain Resnais encerrando uma espécie de trilogia sob o tema da guerra e suas memórias. Depois de Hiroshima Mon Amour e L'année Dernière à Marienbard, Resnais regressa ao tema central das suas primeiras obras, retomando as memórias da guerra e a forma traumática como estas subsistem nas personagens.
Em Muriel todas as personagens têm uma história para contar, traumas retalhados no tempo, fantasmas que interferem no mundo dos vivos. Em Muriel ou o Tempo de um Retorno as personagens não se apresentam ao espectador em tempo real. São fragmentos do passado, excertos de um tempo inventado. Talvez a figura mais paradigmática desta trama seja Héléne (Delphine Seyring) uma jovem viúva que habita um apartamento que é simultaneamente uma loja de antiguidades. A vida de Héléne é como uma peça de antiguidade, a sua história não é só a sua, a sua existência tem vários passados. A casa de Héléne é cenário para um rendez-vous de pessoas e passados, em entradas e saídas tão constantes como as memórias alheias. Héléne tem um filho Bernard, que tal como as memórias também não é só seu. Bernard é a herança de um casamento passado do seu ex-marido. A Héléne nada pertence, e todas as personagens guardam esta fragilidade, a debilidade da intemporalidade, o vazio de nada terem, de não pertencerem a lugar algum. Bernard é a personagem fantasma, que morreu e permaneceu na Argélia, vivendo no entorpecimento da memória, com os olhos voltados para o passado, como na cena do jantar, usando óculos com os olhos falsos no presente, e os olhos verdadeiros entranhados nas vivência de outra época, esquecidos em lugares do passado. Bernard é um jovem perseguido por lembranças atrozes da guerra da Argélia. Vive obcecado com a tortura praticada a uma jovem argelina durante a guerra e o seu passado oprime o presente. A única personagem que parece viver o presente é Françoise. Em Muriel, subsistem várias memórias marcadas pela guerra e vividas em cenários distintos Boulogne e Argélia mas, mais uma vez, Resnais associa o tema da memória ao tema do amor. Muriel é por tudo isto um filme magnífico, um painel de memórias dilaceradas num retalho de esquecimentos e amnésias, tudo isto num pano fundo de uma imensa beleza visual. Uma obra referencial no trabalho de Alain Resnais e sem dúvida, um dos filmes obrigatórios na história do cinema europeu.

SA, Revista Áudio e Cinema em Casa, ed.2012
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