13/01/12

O "Lobo das Estepes"


Tulpan não deixa dúvidas, trata-se de um filme nobre, dotado de discreta grandeza e de uma imensa humanidade. Sergey Dvortsevoy merece, para além dos galardões recebidos, o epíteto de “Lobo das Estepes” do panorama cinematográfico actual. Dvortsevoy associa à linha do cinema documental a visão ficcional, conseguindo uma recolha autêntica da realidade dos povos nómadas do Cazaquistão sem cair em clichés etnográficos ou em exotismos desproporcionados.
Embora seja rodado na árida estepe do Cazaquistão, Tulpan é um filme onde a realidade se expande e o sonho não tem limite. Tulpan retoma a tangibilidade do sonho, a «possibilidade de uma ilha», um oásis que se reinventa nas mais fastidiosas paisagens da terra de ninguém. Tulpan «dá-nos asas» e documenta a história de Asa, um jovem marinheiro ao serviço da armada russa que regressa a casa. Mas a casa onde Asa é acolhido não é mais do que uma cabana feita de paus e panos. Esta cabana no meio do deserto, à mercê de ventos constantes e tempestades impiedosas, alberga a família da irmã de Asa. A família é composta pelo cunhado, que nunca aceita o regresso do jovem marinheiro, e três filhos, três crianças com um papel singular na história materializando a fantasia e a esperança. Tulpan começa por ser um filme árido mas aos poucos vai-se tornando num cenário acolhedor, na terra fértil da ilusão.
Asa sonha. Sonha em abandonar a condição de nómada, casar, encontrar o amor e com ele conquistar um pedaço de terra. O sonho de Asa é fazer crescer um rebanho e a sua própria família. Mas para ser pastor e merecer a confiança do patrão, é necessário que Asa consiga uma esposa para dividir o trabalho árido da estepe solitária. Asa é apresentado a Tulpan, a única filha de uma família vizinha. Mas Tulpan idealiza a vida na cidade e desgosta das peculiares orelhas de Asa. Apesar das semelhanças com «outras realezas» Asa e os amigos não conseguem convencer Tulpan a casar e ali fundar o seu reino.
Tulpan é um magnífico registo etnográfico, reiterando uma fórmula de sucesso no cinema dos nossos dias: a evolução do formato de cinema documental para o cinema ficção.
Com laivos de comédia, filme documental e dissertação etnográfica Tulpan vale, acima de tudo, pela beleza e honestidade que o realizador imprime à paisagem e às personagens. Ao longo do filme as paisagens inóspitas e as personagens mais áridas vão-se adensando, ganham identidade e humanidade e criam laços de empatia com o espectador. Estas afinidades são conseguidas no seguimento de contrastes que enfatizam a desolação da paisagem e a sua beleza; a fragilidade do ser humano e a sua força interior. Tulpan é uma metáfora às travessias no deserto, um tributo aos que conseguem sobreviver nos vazios da existência, e mesmo aí, perseguir e alcançar um sonho.

SA, Revista Áudio e Cinema em Casa, ed. Janeiro de 2012
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