26/02/10

Scorsese inteiro!

Shutter Island de Martin Scorsese é uma obra-prima!
A banda sonora (escolhida por Robert Robertson) é fenomenal!
A fotografia - a cargo Robert Richardson - é magnífica!
A coreografia de Dante Ferreti assume a grandeza do nome próprio do seu criador: é dantesca e como tal, grandiosa! Dante Ferreti quase recria a “Divina Comédia” do homónimo Dante Alighieri pois Shutter Island é Inferno e Purgatório, mas não é nenhum e paraíso.
Neste exercício de ilusões na ilha do medo, Scorsese sublinha uma metáfora sobre a mente humana. Shutter Island leva-nos a recordar a letra do tema celebrizado por Paul Simon: “i am a rock, i am an island, and a rock feels no pain, and a island never cries…”.
Em Shutter Island Scorsese metaforiza a mente como uma ilha, a mente como uma rocha. No rochedo da alma humana estão cravadas dores e traumas, o realizador usa e abusa dessa experiência. Talvez por ter sido o autor do Cabo do Medo (1991), talvez porque tenha documentado o fim (ou a morte) da Idade Inocência (1993), Scorsese proclama-se, por fim e com todo o mérito, como um Grande Realizador.
Citando Fernando Pessoa (Ricardo Reis): “Para ser grande, sê inteiro”.
E agora sim, Scorsese assume-se como um realizador inteiro. Este nascimento é evidente no trabalho de um realizador que não se opõe a reconhecer a fragilidade da natureza humana. Scorsese associa ao seu estatuto de cineasta a dualidade sempre constante entre sombra e luz, a coexistência entre monstros, os homens que os encarnam e os arquétipos deste jogo.
Scorsese filma sombras, histórias de homens e devaneios de monstros. E assim cria, dá origem, e vê crescer um filme maior: Shutter Island, tão sombrio como a sombra humana, tão isolado como a mente! Uma coisa parece certa, Shutter Island será sombra futura no trabalho de Martin Scorsese (doravante não esperamos filmes menores deste homem)! É um Scorsese inteiro! Este título não se questionará pois fica cravado na rocha do cinema!
Há um diálogo que introduz o tema central deste Vertigo a la Scorsese. O dialogo magnífico entre o US Marshal e o psiquiatra preverso é a chave de um enigma presente ao longo do filme: o binómio entre “trauma” e “alma”.
De origem grega (traûma, atos) a palavra "Trauma" significa ferida. Em alemão (a nacionalidade do psiquiatra que ouvia Mahler) "Die traum" significa sonho. "Alma" do latim anǐma, dá origem a outras palavras como: animal. Em Shutter Island Scorsese recupera o tema da Besta Humana.
O realizador não tem pudores em recorrer a várias figuras de estilo para ilustrar a insularidade da mente humana. O exercício constante entre sanidade, loucura e morte recupera as imagens de Stanley Kubrick (Shinning), Alfred Hitchcock (Vertigo), as sombras de Émile Zola e F. Lang (Dr. Mabuse; Human Desire), Renoir, Murnau (O Gabinete do Dr. Caligari), Isidore Ducasse, Alexandre Dumas, M. Proust, Kafka. Para além da parafernália estilística, o realizador elege um elenco de autores irrepreensível.
Leonardo de Caprio tem tido nota máxima na escola de Scorsese (O Aviador, The Departed) e assume-se como um grande, grande actor. Em Shutter Island, nunca se chega a saber quem são os bons e os maus da fita, há uma trama contínua que faz parte do exercício estilístico do realizador.
Neste jogo é soberba a interpretação de DiCaprio, Mark Ruffalo, Ben Kingsley e Max Von Sydow. As personas interpretadas pelo fiel amigo Chuck e pelo director da instituição, fazem-nos jurar estes são os bons rapazes. Mas nos momentos finais o tema repete-se e a dúvida paira até ao último segundo.
O espectador torna-se peão, entra no jogo esquizofrénico do realizador e tal como nos labirintos mentais de David Lynch, a empatia por certas personagens coexiste com a vontade de as aniquilar, superando assim o desconforto que contraria as expectativas iniciais.
Nem sempre o polícia é o herói, nem sempre os terapeutas são os bons da fita. Qual a fronteira entre ciência (sabedoria) e a manipulação da mente humana?
O espectador é levado a acreditar que também ele se encontra encurralado nos labirintos da intriga, da conspiração. Trata-se de um convite a desbravar os limites entre a alucinação e realidade. Por tudo isto este filme é perigoso.
Scorsese tolda-nos os sentidos e imprime o sono da razão.
A dúvida instala-se até ao final. Estará o US Marshall em delírio, reclusão ou negação? Serão os terapeutas personagens da vertigem, agentes da teoria da conspiração, ou simples tutores da mente humana?
Mas Scorsese não nos oferece a solução do enigma, a dúvida permanece até ao final.
Há quem diga que o cinema é a arte da ilusão. Scorsese dá-nos um dos segredos desta arte, apesar das ilusões e das técnicas que as enquadram, o Homem só é grande quando aceita ser inteiro. Este status passa por uma escolha pessoal: deixar morrer a ilusão do homem bom ou recusar-se a viver como monstro…
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Persona: Um blogue, ou coisa que o valha, assinado por SA que um dia se chateou com o anonimato e decidiu testar o poder das siglas.
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