O que fazia eu ali? Sentada num banco de jardim, acabara de ler um livro. Fechara-o como quem se despede de um amigo que vai partir para longe. Guardo a sensação triste da despedida. Como se eu própria estivesse a acenar aos sonhos, à capacidade de me transcender enquanto pessoa, enquanto mulher, sujeito vivo, carne e osso. Vivo num país que me arrasta sonhos para o terreno de pesadelos. Vivo amordaçada pela esperança que nunca chegará, tolhida por um medo a que chamo “espécie de saudade precoce”.
Há dias passeava por Roma, a cidade onde o império ruiu, a cidade das cinzas. Fico com esperança que todos os impérios possam ruir! Sobretudo este império do novo terrorismo económico. Sentada numa esplanada de olhos fixos em nada, senti-me livre. Livre no nada!
Afinal o que ando a fazer por este país que não é poesia? Um pais de ratings, burucratas e políticos: Puta que os pariu a todos! Um país de juventude trémula, frágil, apagada. Uma terra sem sonhos, sem futuro, onde as ruínas se passeiam vivas nas ruas, obliterando passes da carris, pisando a calçada de xadrez ou fazendo dela o seu leito!
Um país de ruínas, arruinado, feito de gente morta ou que vai morrendo aos poucos. Gente que vive dias ventilados artificialmente. Tanta gente petrificada, tantos cadáveres na rua, tantas lágrimas que não se transformam em gritos de revolta! Somos restos daquilo que nunca tivemos o direito de ser. Gente morta atirada ao coliseu do “estado espectáculo”. Vítimas do novo terrorismo. E caramba ninguém grita? Ninguém sente a tortura? Ninguém esperneia no chão, ninguém faz absolutamente nada?
Ao invés, expomos os corpos ao sol como se estivéssemos à espera da rapinaria obsoleta destes cães de gravata. Comam-me a carne, roam-me as entranhas, dilacerem-me o fígado javardos de merda! Eu grito na vossa arena de terror: ainda estou viva! Fui respirar à cidade pretoriana, fe lá vi as ruínas dos impérios. Agora vejo o meu povo quase morto, como ruínas empoeiradas de Roma, povo de ruínas com o corpo coberto de musgo, lagartos passeando nos membros de tijolo empoeirado. Fico em silêncio, o que faço eu no país onde já não se acredita no grito? A lágrima cai, não consigo evitar este pranto. Apago um cigarro debaixo da sandália. Fecho o livro e desço a rua a recordar o recado da Patti Smith “People have the Power”. Foi a primeira vez que tive vontade de escrever uma frase numa das paredes desta cidade.
Se escrevermos as paredes, nos muros, será que a palavras as farão acordar?
Todo o terreno morto é campo fértil para a poesia...