08/06/11

Malick e as Árvores


Terrence Malick já tinha deslumbrado o cinema em trabalhos anteriores, mas com The Tree of Life conseguiu convencer Cannes arriscando um tema polémico: a vida, a morte e a velha questão da presença de um Deus nesta história. Malick utiliza a sua mestria na arte de filmar o «belo» colocando Deus à prova, convidando-o a sentar-se na plateia, fazendo-lhe uma perseguição implacável. Mais do que um ajuste de contas, Malick faz do cinema o seu firmamento. Há momentos em que parece ditar toda uma nova metafísica, o que pode ser abusivo quando por vezes o espectador não quer ser confrontado com certas questões. Aí surge o risco de o espectador ser invadido quando está na fase em que considera que “há metafísica bastante em não pensar em nada”!
Antes de tudo importa referir a máquina, a indústria sob a qual se esconde a fórmula que assenta a divulgação de um filme. Recordando Hereafter de Clint Eastwood o tema introduzido por Terrence Malick não é menos polémico, mas convenceu melhor. O tema passou para segundo plano pois no trabalho de Malick, o que prevalece é a poética, a estética. E Terrence Malick sabe filmar de forma única. Que esplendor! Ninguém pode ficar indiferente a tanta beleza!
O deslumbramento com a imagem faz com que o espectador dê benefício à dúvida (ou ao tema polémico) ou nem sequer a coloque.
O primeiro apontamento para The Tree of Life vai pois para a excelência da selecção musical! Terrence Malick conseguiu que o cinema cantasse um Requiem.
Nota particular para a presença da música de Zbigniew Preisner, Bach, Brahms e Shumman, entre outros. O Realizador vai ao Livro do Génesis e desconserta o mito: no princípio não foi o Verbo, foi o Som!
As cenas relacionadas com a criação do universo, (talvez demasiadas) recordam os primeiros andamentos da Die Schöpfung (A Criação) de Haydn, ou os Planetas de Gustav Holst. Mas o filme perde face à ausência de alguma contenção no recurso às imagens do Bing Bang, ou Bing Om, se considerarmos que no princípio foi o som.
Nota particular para a Lacrimosa de Z. Preisner que vem inverter a sequência tradicional de uma Missa de Requiem e aí sob o efeito da imagem e da música, Deus comove-se, enterra-se na cadeira da sala de cinema, olha grande tela e diz: «isto é bom! »
The Tree of Life, obra de distinguida em Cannes com a palma dourada, dá-nos a conhecer o "caminho da Natureza" e o "caminho da Graça", tese que Malick tenta provar ao longo do filme, a dicotomia entre a natureza e a capacidade de a transcender. O que acontece a quem escolhe estes caminhos?
Quando o filme projecta a origem do mundo, o surgimento das espécies pré-históricas o realizador faz uma apologia do "caminho da Natureza", das suas leis físicas, quânticas ou semânticas. “O caminho da natureza” rege-se pela lei do mais forte, a lei da sobrevivência. Mas o espectado foi previamente avisado - logo nas primeiras cenas- que o filme nos levará a outros caminhos, onde vão ser medidas forças ditadas por outras Leis: a Lei do Amor e da morte, sob o signo da dor.
E o que é o “Caminho da Graça"? Malick pretende testar se os Homens são feitos à semelhança de Deus. Será Deus Pai? A ser assim o que dizer do pai (Brad Pitt) da família O'Brien? Se assim for, que pai é esse, que falha na misericórdia e é implacável nos seus desígnios? A história da família O'Brien é a parte mais bela do filme, talvez só isso bastasse. O cenário idílico de aparente comunhão e harmonia que se vai materializando na vida da família remete para o jardim do Éden, a terra prometida, o paraíso a cada esquina.
Porém e tal como num Requiem, a tensão vai crescendo num premonitório caminho para a dor, a inevitabilidade do sofrimento. O amor dos irmãos, a beatitude da mãe, Caim e Abel, Maria e todos os dogmas que se associaram à «sagrada família» são postos à prova, em magníficas cenas de época , com interpretações de luxo. Como num Requiem canta-se a Lacrimosa, o Dies Iriae e o dia da ira acaba por chegar, só que não se vê a morte, passa-se de imediato para a Lux aeternam, para a visão prospectiva da vida depois da morte de um filho.
Malick começa a filmar em crescente tensão, criado atritos e tensões nos movimentos das crianças e dos animais que brincam neste mundo visual, arriscando filmar um cão sem pêlo, um rapaz sem cabelo, a morte prematura de um jovem, a iminência de um crime entre irmãos. Toda estas cenas são magníficas, sublimes, mas seria desnecessário incorrer na metafísica criada pelo projecto dopróprio Malick.
Há cenas que podem ser simbolizadas mas não representadas. Neste domínio, a conjugação do êxtase que a natureza oferece com o seu pendor divino, não deveria ser transposto para a tela (ou imposto no mínimo) por uma razão muito simples, um realizador não é um profeta e nem sempre os seus espectadores seguem a sua gnose.
De resto tudo é perfeito. Sean Penn está magnífico, perdido, deambulando na dúvida...
Talvez tudo fizesse sentido acabar naquelas cenas de angústia, memória e saudade. Pois é assim que vivemos alimentando-nos das memórias, na angústia de Deus ou da (sua ausência) e na saudade do que não sabemos se existe.

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