10/07/10

Edição de Julho

O branco simboliza a inocência, e não é por acaso que Michael Haneke opta por filmar a preto e branco, destacando as sombras antagónicas que simbolizam o fim da inocência. Neste cenário bicolor Heneke desenvolve uma metáfora sobre a condição humana, explorando o tema da culpa e o argumento da impunidade.
O cineasta austríaco celebrizado pela austeridade de Brincadeiras Perigosas (1997, 2007) regressa à tese da crueldade humana elegendo como pano de fundo a aldeia de Eichwald, uma pacata comunidade protestante da Alemanha do Norte. A história tem lugar nas vésperas da Primeira Guerra Mundial e anuncia metaforicamente as atrocidades vividas na Europa no decurso das duas grandes guerras. Se é verdade que a Europa foi dizimada pelo holocausto nazi (tema também explorado em A Pianista, 1991), Heneke recua no tempo e no espaço, contextualizando a génese da culpa numa pequena aldeia aparentemente tranquila onde rapidamente se instala o caos e o medo. Recorrendo ao cenário de uma Alemanha rural, povoada por crianças e adolescentes, senhores feudais, religiosos fervorosos e um médico desumano, o cineasta associar a génese da crueldade à forma mais impune de barbaridade, aquela que se revela precocemente na inocência infantil. Mas o Laço Branco é mais do que um jogo de sugestões perigosas. É um exercício maniqueísta que sugere a dualidade do bem e do mal, a coexistência de luz e sombra, pecado e redenção. O cenário desta tese recupera a ideia de pequena comunidade, alicerçada em laços feudais, temente às leis divinas, onde a crueldade humana é aparentemente inconcebível. Todas as personagens assumem um papel misterioso, são guardiães de um segredo e potenciais agentes das maiores hostilidades. Como numa trama policial as personagens estão ligadas por laços de silenciosa cumplicidade. Aos poucos a tumulto ganha terreno, a estrutura familiar dilacera-se, os filhos acabam por ser o reflexo punitivo dos comportamentos fraudulentos do país. A ordem inverte-se, os inocentes são potenciais criminosos e os castigadores acabam por ser punidos por uma justiça invisível que rapidamente dá lugar à violência. O Laço Branco confirma Michael Heneke como um dos realizadores mais controversos da actualidade. Heneke explora temas centrais da filosofia e da condição humana sem paradigmas ou preconceitos. O Laço Branco é uma contínua desconstrução do ideal humano, elegendo o tema da perversidade, a ficção do medo, o horror da culpa e a sedução do pernicioso. Seria redutor identificar Michael Heneke apenas como um cineasta ficcionista do lado obscuro da mente humana. Tal como Lars von Trier (salienta-se as semelhanças de Eichwald com a aldeia de Dogville), Heneke não se coíbe metaforizar o mundo em que vivemos, o modo como a história nos dita,a incapacidade humana para se rever nos erros do passado, alicerçando a sua conduta num modelo ideal que a realidade não reflecte.
Controvérsias aparte, O Laço Branco é uma admirável obra de arte onde o espectador é confrontado constantemente com a dúvida: de quem é a culpa? Quem será o autor destas atrocidades? Justiça humana, justiça divina, ou apenas o reflexo da sombra que habita em cada ser humano? Um dos filmes do ano.
Realiz. Michael Haneke Intérpr. Susanne Lothar, Ulrich Tukur, Burghart Klaußner
DRAMA 2010, CLAP filmes, DVD 9, 1.85: 1, 2h24mins

Nota: Texto escrito por Persona, publicado na edição de Julho da Revista Audio e Cinema em Casa.
Com tecnologia do Blogger.




 
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