05/05/11

Edição de Maio


Quanto vale uma cópia sobretudo se for autenticada? Quanto vale uma reprodução de uma obra de arte se imitar, de forma perfeita, aquilo que se pretendia na produção original? De que vale a réplica ou a tréplica de diálogos já tantas vezes reproduzidos nas nossas histórias mais intimas? Este será um novo Abbas Kiarostami, ou tratar-se-á apenas de um regresso da mestria, da mesma técnica mas em cenários distintos? Kiarostami veio recriar a sua tese a Itália. Com esta Cópia Conforme o realizador assina a sua a sua segunda longa-metragem feita fora do território iraniano. Kiarostami muda de cenário sem mudar a traça original da sua obra. Poderíamos afirmar que se este filme fosse uma cópia do trabalho do realizador, o plágio estaria mais do que autenticado. O filme é rodado na Itália, segundo berço da civilização ocidental, não fora a Grécia o modelo primeiro de todo legado romano. Um filme fora de portas, com actores de outras nações, diferentes pátrias, línguas, credos e tempos. O cenário decorre numa pequena aldeia da Toscânia. Lá encontra-se um casal Juliette Binoche e o barítono William Shimmel. As personagens encontram-se numa conferência em que Shimmel apresenta o seu livro, Juliette Binoche é dona de uma galeria de arte e assiste à palestra do autor como se jamais o tivesse conhecido. No decurso da narrativa, enquanto as personagens passeiam pelas aldeias Toscanas o tema “cópia” é uma constante. Kirostami adensa esta temática no discurso do casal, que se debate entre os valores da originalidade, da simplicidade e suas evidentes contradições. Kiarostami vai mais longe na temática da cópia. Este realizador iraniano atreve-se a filmar a fusão entre arte e religião e par isso recorre a cenários da bella Itália, o berço do renascimento, como se o neo-classicismo do século XV/XVI fosse ele próprio uma cópia autenticada, não perdendo por isso o seu valor. A ideia permanece, tudo é uma cópia de algo. Existirão originais? Sim existem mas apenas naquilo que é simples. Assim comenta Shimmel, "ser simples não tem nada de simples" daí a complexidade da Arte. E se a verdadeira Arte e a nossa história (história dos povos, das culturas, da religião, do cinema, da humanidade) não for além de uma contínua repetição de formas, com diferentes personagens tempos e cenários? Talvez seja isso que Kiarostami quer testar. Até que ponto a originalidade não será redundante? Até que ponto filmar em Itália, no Islão, ou no berço do cristianismo será apenas um retorno às questões essenciais?
No centro da história o casal vai-se transfigurando, o tempo é uma barreira que não existe, tal como a língua (cada uma das personagens domina uma das línguas, o francês, o inglês, o italiano) uma babel reinventada, as línguas como heranças, cópias reinventadas de tempos idos. A relação do casal adensa-se à medida que os minutos passam e os cenários se tornam mais intimistas. Subitamente, inexplicavelmente, o discurso torna-se repetitivo como se os desconhecidos se conhecessem há mais de 15 anos, como se tivessem sido casados, como se tivessem sentido o desgaste das ilusões, como se a história do próprio casal fosse apenas a cópia daquilo que o realizador já experimentou também na sua vida emocional. Eis a tese confirmada por Kiarostami: o criador, o autor de uma obra de arte limita-se a recriar vivências, experiências e sob a forma de arte dar-lhes o selo de originalidade. Se assim é Kiarostami consegui mais uma vez, como se de uma cópia se tratasse realizar uma obra-prima, que não significa necessariamente a obra primeira e felizmente não anuncia que o trabalho do mestre não se repita.

Cópia Certificada de Abbas Kiarostami

Texto SA, Revista Audio e Cinema em Casa, n.º 229
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