Todas as vezes que olho pela janela vejo uma casa velha. Vejo um prédio devoluto que se assina atrás das folhas e raízes dos plátanos da rua rosa. A casa velha guarda o ocre seco do telhado antigo, as quatro águas furtadas onde o sol se esconde e paredes fendidas às rugas do tempo.
A casa fica entre a esquina de uma rua e a curva de outra, mas no que me diz respeito, fica em frente aos meus olhos, na linha irregular do meu horizonte. Hoje está sol, contemplo o prédio inteiro como o meu mar, e lá estão também as gaivotas à procura do sol de Lisboa. Quando chove, a casa velha torna-se cinzenta. Mas hoje o sol brilha e, em cada reflexo, o prédio respira vivo, espreguiçando-se na talha dourada das janelas, fazendo crepitar a madeira velha em cada inspiração. A casa velha vai acordar em breve, ou será que suspira para cair de vez? Será que o movimento secreto anuncia o fim do seu esquecimento? Aqui em frente, mesmo ao alcance da minha mão, a casa que não posso tocar. Como se fosse a capa de um livro cujo autor desconheço, um quadro exposto por detrás de um vidro duplo de um museu qualquer. Hoje há pássaros novos pousados nos beirais de pedra, à mercê do sol e da indiferença de tudo o que é novo. Quantas vezes pensamos na alma destas casas? Se calhar estou a ter um devaneio mas esta cidade tem almas presas em fracções autónomas, vontades que adormeceram devolutas.
Por vezes sonho recuperar a casa velha. Fazer dela um espaço público com novos inquilinos. Uma imensa livraria de muralhas de papel. Bibliotecas, sábios e poetas em cada degrau. Gatos e tabuleiros de chá, biscoitos de papel e tintas permanentes a dar razão à imagem. E música com gente viva a cantar dentro.
Continuo a olhar pela janela, acabei de aceitar um novo desafio. Vou regressar à Universidade, voltar a dar aulas. Ensinar é o meu verbo! Doce foi a música deste acaso. Abri a porta de uma casa que em mim tinha sido encerrada compulsivamente. Vou reabrir a minha nova babel, ensinar sobre direitos na era da revolução grisalha. Não vou deslembrar a casa que espreito da janela, sobretudo porque é velha. Um dia se me chegar a sabedoria da idade, aliada à professa do ensino, gostaria de ser dona de uma livraria…nesse dia serei o que quero ser para ser grande.