O filme chama-se Prova d'Orchestra, o realizador, Frederico Fellini.
Ontem, no intervalo do ensaio, invadimos o palco do CCB pela “entrada dos artistas” como se o fossemos...
O palco é enorme mas estava moribundo. Sentada no chão, vi poeira e nada. Espaço oco, casa de ninguém. Os palcos morrem sem orquestras, ficam doentes na ausência das luzes, vão expirando à medida que a plateia se evade. Os relógios param. Um eco, uma epifania, um reencontro, uma coreografia, uma chuva de aplausos, tudo isso ou mera ilusão? O palco está morto! Voltemos para a sala de ensaios!
A sala é ampla e branca, está cheia do brilho dos metais, da ressonância das cordas e dos murmúrios dos cantantes. O maestro pede silêncio, acena e começa a esbracejar pedindo silêncio pela segunda vez. Grita, desunha-se, salta e vê-se grego para controlar tanto troiano em cima de cavalos no gelo. Os instrumentos ganham vida e voz. Como uma chuva de meteoritos sonoros, entre cordas e sopros, o caos instalou-se até à terceira súplica de silêncio. Agora o silêncio grita-se rouco. Há livros, bolsas, gravações piratas e partituras espalhadas pelo chão, caixotes de madeira, cadeiras empilhadas e um espelho imenso que reflecte o cansaço e a meia-noite invertida. Anotamos a partitura com um lápis tosco emprestado da orelha do lado. Há caixas de violinos forradas a veludo azul com fotografias do filho que ficou em casa, há saliva fresca dos tipos das trompas que não param de enojar a fila da frente - os metais sempre irritaram as sopranos! O compositor está sentado ao lado da violinista loira, de borboleta na lapela e sorriso de todas as melodias do mundo. Ao longo do ensaio vão chegando amigos de mãos nos bolsos e afectos carregados de anos. Vamos lá ter atenção à afinação! Um diapasão cai ao chão soltando sons bastardos que irritam o chefe de orquestra. Tramada nota aquela do quarto andamento que trai as cordas do primeiro violino. O solista solta uma gargalhada em tom maior. Ele, que também é professor da menina soprano, vai acenando afirmativamente sempre que a vê colocar o tom na nota certa. Há um silêncio imenso depois do gesto final do maestro. E apesar de ser mais tarde do que o que era tarde no ensaio de ontem, há vontade de repetir tudo de novo.
Há momentos assim, em que se sente o frenesim da criação, o friozinho no estômago que antecede a apresentação em concerto.
Depois acontece o concerto e percebe-se que o palco vai voltar a ficar vazio. Um concerto é um prelúdio de uma nostalgia esperada que se instala quando o espectáculo termina. O palco nada é sem o frenesim que ninguém lhe conhece. O momento alto de qualquer concerto acontece quando a orquestra começa a afinar e o público, aos poucos, vai enchendo a alma.
Felizmente os concertos são antecedidos de muitos ensaios! Que analogia… a vida pode ser tramada num palco, mas na verdade, tudo não passa de um ensaio de orquestra.
Apareçam para encher o nosso palco, logo à noite às 21h30m.
Ontem, no intervalo do ensaio, invadimos o palco do CCB pela “entrada dos artistas” como se o fossemos...
O palco é enorme mas estava moribundo. Sentada no chão, vi poeira e nada. Espaço oco, casa de ninguém. Os palcos morrem sem orquestras, ficam doentes na ausência das luzes, vão expirando à medida que a plateia se evade. Os relógios param. Um eco, uma epifania, um reencontro, uma coreografia, uma chuva de aplausos, tudo isso ou mera ilusão? O palco está morto! Voltemos para a sala de ensaios!
A sala é ampla e branca, está cheia do brilho dos metais, da ressonância das cordas e dos murmúrios dos cantantes. O maestro pede silêncio, acena e começa a esbracejar pedindo silêncio pela segunda vez. Grita, desunha-se, salta e vê-se grego para controlar tanto troiano em cima de cavalos no gelo. Os instrumentos ganham vida e voz. Como uma chuva de meteoritos sonoros, entre cordas e sopros, o caos instalou-se até à terceira súplica de silêncio. Agora o silêncio grita-se rouco. Há livros, bolsas, gravações piratas e partituras espalhadas pelo chão, caixotes de madeira, cadeiras empilhadas e um espelho imenso que reflecte o cansaço e a meia-noite invertida. Anotamos a partitura com um lápis tosco emprestado da orelha do lado. Há caixas de violinos forradas a veludo azul com fotografias do filho que ficou em casa, há saliva fresca dos tipos das trompas que não param de enojar a fila da frente - os metais sempre irritaram as sopranos! O compositor está sentado ao lado da violinista loira, de borboleta na lapela e sorriso de todas as melodias do mundo. Ao longo do ensaio vão chegando amigos de mãos nos bolsos e afectos carregados de anos. Vamos lá ter atenção à afinação! Um diapasão cai ao chão soltando sons bastardos que irritam o chefe de orquestra. Tramada nota aquela do quarto andamento que trai as cordas do primeiro violino. O solista solta uma gargalhada em tom maior. Ele, que também é professor da menina soprano, vai acenando afirmativamente sempre que a vê colocar o tom na nota certa. Há um silêncio imenso depois do gesto final do maestro. E apesar de ser mais tarde do que o que era tarde no ensaio de ontem, há vontade de repetir tudo de novo.
Há momentos assim, em que se sente o frenesim da criação, o friozinho no estômago que antecede a apresentação em concerto.
Depois acontece o concerto e percebe-se que o palco vai voltar a ficar vazio. Um concerto é um prelúdio de uma nostalgia esperada que se instala quando o espectáculo termina. O palco nada é sem o frenesim que ninguém lhe conhece. O momento alto de qualquer concerto acontece quando a orquestra começa a afinar e o público, aos poucos, vai enchendo a alma.
Felizmente os concertos são antecedidos de muitos ensaios! Que analogia… a vida pode ser tramada num palco, mas na verdade, tudo não passa de um ensaio de orquestra.
Apareçam para encher o nosso palco, logo à noite às 21h30m.