16/03/10

Alice, qual Alice?

Hoje pela manhã, após a romaria habitual ao quiosque do bairro, lá comprei a Premiere (edição portuguesa), este mês com uma das capas mais apelativas de sempre: Jonnhy Deep no País das Maravilhas.
Deliberadamente atrasada para integrar as novidades da festa de Hollywood, nunca a Premiere tinha sido tão procurada. Segundo a proprietária da banca: “nunca como hoje vendi tantas Premieres, deve ser da capa que é muito bonita, não é?”- não respondi à questão da vendedora, não por antipatia ou sonolência matinal, mas porque a replica me parecia despropositada: “os olhos também compram não é?”.
Tirando estes e outros devaneios, fui folheando a revista sob os olhares incautos dos passageiros da linha azul. Torna-se cada vez mais complicado ler no metro de Lisboa, não porque o tenhamos que o fazer de pé na ponta da hora, à beira do atraso, mas porque há sempre alguém que grunhe pelo facto de não estarmos suficientemente atentos para dar início a uma discussão matinal.
Hoje foi diferente. Todos cobiçavam a minha leitura, lançando-lhe olhares indiscretos por cima do ombro, espreitando descaradamente o teor do artigo sobre o novo filme de Tim Burton. O fenómeno Alice é de tal maneira encantador que pela primeira vez, num transporte público aticei curiosos à leitura matutina.
Há muito que tento escrever sobre o último filme de Tim Burton, contudo desde a primeira vez que vi Alice sinto que nada há a acrescentar. Escrever sobre Alice de Tim Burton poderá ser tão inútil como a resolução da charada: qual é a semelhança entre um corvo e uma escrivaninha?
Remeto-me ao silêncio e ponto final. É como se tudo o que dissesse só pudesse ser visto, sentido. Tive esta sensação em quase todos os filmes de Tim Burton (embora considere que nem Alice destrona o “Nightmare Before Christmas”).
A Alice de Lewis Carroll é a prova que não há antes nem depois, que a história escrita em 1862 era o guião que anunciava um grande filme a ser divulgado em 2010. Por isso Alice é fantasia, ficção científica, teoria dos sonhos, um relógio que anda para trás, Jonnhy Deep na versão what else, simbolismo, realismo, modernidade e delírio sem preconceito: a prova de que todos guardamos ou reprimimos uma Alice no país das nossas maravilhas.
Escrevo a contra tempo. Olho o relógio e tenho dez minutos antes do compromisso anunciado para o fim da tarde. Gostaria de estar em todo a lado menos aqui! Quem dera um coelho e uma toca.
Folheio o Código Civil e recordo o primeiro desabafo de Alice no capítulo primeiro do romance de Carrol “de que serve um Livro que não tem gravuras nem conversas?”.
Chamam-me para a reunião: afinal a tormenta vai começar à hora marcada!
Olho para o corredor e vejo um coelho de colete e relógio na mão exclamando: «Meu Deus! Meu Deus! Vou chegar tão atrasado!»
Entro no elevador e desço atrás dele, sem pensar sequer como poderei voltar a sair…
Com tecnologia do Blogger.




 
Persona: Um blogue, ou coisa que o valha, assinado por SA que um dia se chateou com o anonimato e decidiu testar o poder das siglas.
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Vendemos para fora e fazemos entregas ao domicílio.
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